Quando Machado de Assis (1839-1908) escreveu Quincas Borba, romance publicado em 1892, não poderia imaginar a imortalidade da frase “ao vencedor, as batatas”. Como sou de uma geração obrigada — graças a Deus! — a ler (livros) e conhecer (gênios), consigo compreender o sentido e a beleza da expressão. Se conselho fosse bom não seria gratuito, mas sou generoso e contrário à regra: jovens, leiam Machado de Assis.

Segundo o Observatório da Alimentação Escolar, em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, desde 2010 — há doze anos, portanto — o governo federal não compensa as perdas com inflação no repasse dos valores devidos ao PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Apenas no último ano, a inflação de alimentos superou 40%. Imaginem, pois, a corrosão em doze anos. Como falta dinheiro no caixa e sobra preço alto no mercado, muitas escolas públicas, sobretudo nas pequenas cidades dos estados mais pobres, apelam para a criatividade. Sardinha em lata, por exemplo, tornou-se a única proteína, quando possível, da merenda escolar. Não preciso explicar os efeitos perversos (físicos e cognitivos) da subnutrição em crianças e adolescentes. A produtividade do País me ajuda na tarefa.

Há alguns meses, o rumoroso caso de corrupção e tráfico de influência, envolvendo um ex-ministro da educação, responsável pelo FNDE (Fundo Nacional Para Desenvolvimento da Educação), que gerencia as verbas das merendas escolares, desnudou a falácia repetida por Jair Bolsonaro — aquele que botaria a cara no fogo pelo acusado -, de que, em seu governo, não haveria corrupção. Sério? Avisem os pastores. Milton Ribeiro, o ex-ministro-pastor-suspeito, pediu demissão em março quando eclodiu o escândalo. No final de maio, a Comissão de Ética Pública da Presidência (sim, eu sei, parece piada pronta) alegou “conflito de interesses após o exercício do cargo” e resolveu indenizar o coitadinho. O servo do Senhor receberá R$ 26 mil mensais durante os próximos seis meses. Seria uma espécie de bônus pelos serviços prestados?

Milton Ribeiro, servo do Senhor, receberá R$ 26 mil mensais durante os próximos seis meses. Seria uma espécie de bônus pelos serviços prestados?

Então, ficamos assim: o amigão do casal presidencial (supostamente) mete a mão na cumbuca, é flagrado, pede para sair e recebe um seguro desemprego de 150 mil reais. Um aluno de creche pública custa ao governo R$ 1,07, ao mês, com merenda. De pré-escola, R$ 0,53. De ensino fundamental e médio, R$ 0,36. Ribeiro é um vencedor; ficará com as batatas. As crianças? Bem, por enquanto, apenas sardinhas. Mas sempre pode piorar.