O passado escravagista criou chagas profundas no tecido social brasileiro. Nação majoritariamente negra (segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, pretos e pardos somam 54,9% da população), o Brasil se mostra incapaz de equalizar as distorções que resultam de um abismo racial criado no início da colonização e perpetuado após 129 anos do fim do regime escravocrata. No Brasil atual, conseguir um emprego ainda é bem mais difícil para quem não é branco. Divulgada na sexta-feira 17, quase às vésperas da celebração do Dia da Consciência Negra (20 de novembro), a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) revelou que dois em cada três desempregados no Brasil são pretos ou pardos, conforme a classificação usada pelo próprio IBGE. Outros dados da pesquisa reforçam a ideia de que faltam oportunidades de trabalho para os negros no Brasil: eles são 66% dos empregados domésticos e 67% dos vendedores ambulantes.

“O acesso da população afro-descendente ao mercado de trabalho ocorre em atividades que exigem menor formação e qualificação profissional”, diz Cimar Azeredo, Coordenador de Trabalho e Renda do IBGE. “Uma vez no mercado de trabalho, raramente os estudos tendem a ser continuados”, afirma. Resultado direto dessa condição é a desigualdade de renda: a remuneração média de pretos e pardos é de apenas 55,5% da obtida pelos brancos: R$ 1.531 mensais contra R$ 2.757. A disparidade se mantém no que o IBGE chama de “taxa de subutilização da força de trabalho”, que inclui os desempregados, os subocupados e os que não procuraram emprego. Neste grupo, que corresponde a um total de 26,8 milhões de pessoas, a taxa correspondente aos pretos e pardos é de 28,3% (17,6 milhões de brasileiros). Entre os brancos, a taxa é de apenas 18,5%.

A remuneração média de trabalhadores negros
é de R$ 1.531 mensais, contra R$ 2.757 de brancos

Círculo vicioso

O Pnad é uma ferramenta importante não apenas por confirmar dados da desigualdade brasileira como para sensibilizar a população quanto à perpetuação de um círculo vicioso em que a baixa escolaridade e o preconceito racial se somam de forma trágica para a população negra no Brasil, transmitindo por sucessivas gerações o legado de um passado colonial marcado pela exploração da mão-de-obra escrava. Superar essa realidade exige não só uma combinação de políticas públicas que impactem positivamente na condição social e econômica da população negra. Exige, acima de tudo, reconhecer que não se construirá um país mais justo e pacífico enquanto essa desigualdade for mantida.

O que diz o PNAD (Fonte: IBGE)

54,9% – da população brasileira com 14 anos ou mais é formada por negros

Dos 13 milhões de brasileiros sem emprego, 63,7% são negros

66% – dos trabalhadores domésticos são pretos ou pardos

9,9% – é a taxa de desemprego entre brancos