A execução de Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, com mais de 20 tiros de fuzil em praça pública na cidade de Praia Grande, gerou uma camada adicional de revolta quando se soube que o policial, aposentado desde 2022 e com um histórico de combate ao PCC (Primeiro Comando da Capital), vivia na cidade da Baixada Santista sem qualquer aparato de proteção além de uma arma de uso pessoal.
Responsável por indiciamentos e operações de transferência de lideranças da facção, Fontes era “jurado de morte” desde 2006 e foi alvo de tentativas de homicídio quando estava na ativa. Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública) do estado, ele não solicitou escolta após a aposentadoria, o que é necessário por não haver garantia legal de proteção aos agentes ameaçados.
Proteção obrigatória em debate
Em reação, o deputado estadual Tenente Coimbra (PL-SP) levou à Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) um projeto de lei para obrigar o estado a garantir a segurança a policiais civis, militares e penais aposentados que comprovem estar sob risco. Conforme o texto, a avaliação dos casos e aplicação das medidas ficará a cargo da SSP.
Atualmente, as autoridades protegidas pelo Estado conquistaram esse direito a partir de solicitações especiais ao Poder Executivo, que tem o direito de revogá-lo sem justificativa. É o caso de Lincoln Gakiya, promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas) do Ministério Público de São Paulo e um dos mais reconhecidos combatentes do PCC, razão pela qual é alvo de constantes ameaças.
O promotor circula acompanhado por uma escolta de ao menos 10 policiais fortemente armados. “Um estudo feito pela Polícia Militar constatou que eu estava sob um dos mais altos riscos do país de sofrer um atentado. Portanto, o Ministério Público solicitou e a Secretaria da Segurança Pública forneceu essa escolta. Mas não há previsão legal, é uma espécie de ‘acordo de cavalheiros’“, relatou à IstoÉ.
“É um sistema frágil. Vamos dizer que o atual governador perde para um candidato da oposição. Ao começar seu mandato, em janeiro de 2027, o novo mandatário vai escolher seus comandantes da polícia, que podem simplesmente revogar a proteção”. Para Gakiya, a autonomia para agentes atuarem contra o crime organizado depende de que sua segurança seja garantida por lei, inclusive após a aposentadoria. Caso perca sua escolta, o promotor considera que “não dura uma semana”.

Lincoln Gakiya: alvo de ameaças e acompanhado por escolta
Na linha dessa demanda, o Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo) enviou um ofício ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pedindo uma reunião para tratar das demandas da classe, que incluem maior valorização, melhorias estruturais e o direito a um sistema de proteção.
À IstoÉ, a delegada Jacqueline Valadares, que preside da entidade, disse que “mesmo os investigadores da ativa do combate ao crime organizado não têm o direito assegurado” a proteção. “É importante que o governo do estado observe este episódio para investir na estrutura oferecida aos seus policiais, ou arriscamos voltar a presenciar afrontas como o assassinato do ex-delegado”.

Tarcísio de Freitas: governador sugeriu possibilidade de proteção a agentes
Após a execução de Fontes, Tarcísio teve de enfrentar não apenas o desconforto de ter uma guerra inglória contra o crime organizado no território que governa, como o constrangimento de ter que justificar o que foi entendido como o abandono de um dos mais aguerridos combatentes do PCC. “Não existe isso (proteção especial) hoje no nosso regramento, não existe isso na nossa legislação, mas é algo que a gente tem que parar pra pensar. Autoridades, pessoas que se dedicam ao combate ao crime organizado. Elas saem (do cargo), mas a memória do crime fica. Então, a gente tem que proteger essas pessoas”, afirmou em uma coletiva.
O crime repercutiu em Brasília e o governo federal ofereceu o apoio da Polícia Federal para auxiliar as investigações – o que foi polidamente recusado pela polícia de São Paulo. Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública, disse que o Ministério da Justiça apresentará ao presidente Lula e ao Congresso um projeto para mudar a lei das organizações criminosas e “prever proteção a testemunhas e agentes públicos, mesmo após a aposentadoria”.