Vanessa sempre se orgulhou de ser uma pessoa cética.

Não acreditava em nada que não fosse explicado pela Ciência.

“Qual seu signo” – um rapaz até bonitão perguntou no Tinder.

Ela cancelou o match.

— Ora por favor. Começou mal o infeliz. – contou paraas amigas no bar.

Todas riram. Essa é a Vanessa, não deixa passar uma.

Apesar de linda e independente, Vanessa não namorava já há alguns anos.

No máximo um ficante, aqui ou ali.

Os astros, o destino, o acaso. Estamos na mão de quem, afinal?

Beirava os 30 anos, aquela idade em que as mulheres começam a pensar em casar e ter filhos.

As do passado.

Porque as de hoje estão mais preocupadas com um bom cargo, liberdade, viagens e um salário alto.

Mas Vanessa já tinha tudo isso, vice-presidente de TI, numa multinacional.

Só que apesar de feminista, moderna e realizada, tinha isso no íntimo, de ter um romance, uma família, filhos, essas coisas.
— Você é exigente demais, isso sim, filha. Olha eu, por exemplo. Se fosse esperar o homem perfeito não casaria nunca. – a mãe falou olhando para o pai assistindo TV de camiseta regata e cueca samba canção, no domingo.

O que nem a mãe, nem as amigas sabiam, era que Vanessa tinha dado match com um homem interessante e estavam conversando no WhatsApp fazia alguns dias.

Médico, uns 10 anos mais velho, como ela gostava.

Ficou de ligar na quarta-feira para combinarem um jantar.

Vanessa tinha uma rotina rígida.

Acordava todos os dias às 6 da manhã e saia para correr, no parque ao lado de seu apartamento, sempre o mesmo trajeto de seis quilômetros, logo depois do alongamento.

No parque, mesmo cedinho, já estavam todos os que ganham a vida com os corredores, em banquinhas improvisadas vendendo água, barrinhas de proteína, essas coisas.

Vanessa conhecia todos eles, alguns até pelo nome.

Naquele dia, a tal da quarta-feira, uma banca nova apareceu.

Uma senhora gorda, com roupas de cigana, sentada diante de um baralho de tarô sobre uma toalha cheia de desenhos de constelações.

Vanessa passou por ela e alguma coisa aconteceu.

Por todo trajeto, pensou na mulher e o que ela poderia dizer sobre a sua vida.

Quem sabe até dizer como seria o encontro de hoje à noite.

Quando terminou os 6 quilômetros, como sempre fazia, parou para comprar uma garrafinha de água no Lima, justo ao lado da cartomante.

“Por que não, né?” – pensou.

Sentou-se em frente da mulher e trocaram algumas palavras, para entender como seria a coisa.

— Bem, eu posso ler sua mão ou jogar tarô. Posso falar do seu passado, do seu futuro ou, quem sabe, responder alguma pergunta que você faça para o Universo.

O que você gostaria de saber, querida? – a senhora explicou.

Vanessa pensou na sua vida inteira.

Foi mágico mesmo.

Pensou sobre seus poucos relacionamentos duradouros.

Pensou em como tinha se dedicado a sua carreira.

Pensou até no que teria feito com que se sentasse diante de uma cartomante, justo ela que era tão cética.

Lembrou das conversas com as amigas, todas casando e algumas até com filhos.

Então pensou, é claro, no jantar daquela noite com o médico.

— Na verdade…eu tenho sim uma dúvida sobre o futuro…

— Pode falar, minha filha. As cartas não mentem jamais!

— O Bolsonaro, vai ou não se reeleger? – perguntou.

A mulher jogou as cartas e depois de algumas firulas metafísicas, respondeu:

— Vai, minha filha. Vai, e no primeiro turno.

A revelação deixou Vanessa devastada por alguns dias. Semanas até.

Isso e o fato de que o canalha do médico nunca ligou.