Aurestina Assis de Matos Lopes é dona de casa, dedicada à família e à religião. A discussão política está bem longe da sua rotina. No entanto, na lista de candidatos a deputado distrital do Distrito Federal, Aurestina transmuta-se para Tina Lopes, que disputará as eleições pelo PRP com o número 44180. “Disputará” é força de expressão. Tina Lopes não fez nem fará campanha. Não pede um voto. Nem a seus familiares. Ela entrou na chapa somente porque o PRP precisava de mulheres para preencher a cota exigida pela legislação de 30% de candidaturas femininas. Aurestina é uma laranja clássica, mas não constitui um caso isolado. ISTOÉ verificou que há uma grande quantidade de “Tinas” espalhadas pelo país. Algumas, laranjas declaradas. Em boa parte dos casos, mulheres que não receberam um tostão sequer dos seus partidos para as suas campanhas.

Com base nos dados de registros do TSE, ISTOÉ verificou a situação das candidaturas femininas nos três principais colégios eleitorais – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – e no DF. Nesse locais, estão registradas as candidaturas de 3,5 mil mulheres. Dessas, 567 (cerca de 15%) declaram ao tribunal não ter recebido qualquer tipo de recurso. Outras 778 mulheres captaram valores inferiores a R$ 5 mil (21,8% das analisadas). Se forem somados os percentuais das mulheres que nada receberam com as que receberam até R$ 5 mil, chega-se a 37%. Ou seja, quatro entre dez mulheres não receberam de seus partidos uma condição mínima para disputarem. Ou seja: ali estão somente para o cumprimento da mínima de 30% para mulheres.

Se os números ainda suscitarem dúvidas, Aurestina é a resposta. ISTOÉ procurou Tina Lopes. A reportagem foi atendida por seu marido, o servidor público federal Jorge Luiz Lopes. Que admitiu claramente a condição da candidatura de sua mulher por telefone. “Foi resolvida de última hora (a candidatura) porque (o partido) estava precisando superar aquela cota de 30%”, admitiu Lopes.

Se em alguns casos, mulheres como Aurestina são procuradas somente para fazer número nas listas, em outros casos a total falta de compromisso com as candidatas produz efeito semelhante.

À MÍNGUA “Só com muita força de vontade para manter uma candidatura nestas condições”, afirma Cristiane Dias, do PRP (Crédito:Divulgação)

Roneide Paiva é um exemplo. Ela foi chamada pelo PMB em agosto para ser candidata. Igualmente às pressas, pela necessidade de cumprir a cota. Moradora da cidade de Samambaia, região administrativa distante aproximadamente 25 quilômetros do centro de Brasília, Roneide animou-se em conciliar a luta pela sobrevivência com a candidatura a deputada distrital. Do partido, nada recebeu. Obteve ajuda para imprimir alguns panfletos que distribui na sua vizinhança. “Estou sem estrutura”, confessa. Ela pensa em desistir antes do 1º turno. “Se até lá, não conseguir recursos, jogo a toalha. Não vou ser laranja”, desabafa.

Cristiane Dias, candidata pelo PRP, só não pensou em fazer o mesmo porque recebe alguma ajuda de amigos para seguir adiante. Moradora da cidade de São Sebastião, a 20 quilômetros do DF, conseguiu, por seus próprios meios, dinheiro para alguns santinhos. Conhecidos trabalham de graça para ela. “Só com muita força de vontade para manter uma candidatura nestas condições”, reclama ela. Em caráter reservado, dirigentes partidários admitiram que muitas mulheres estão mesmo na lista somente pela exigência da legislação eleitoral. A opção pelas laranjas é para poder manter na lista candidatos homens cujas candidaturas são consideradas competitivas. É, de novo, o velho e surrado jeitinho para driblar a Justiça.

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“Foi resolvida de última hora (a candidatura da minha mulher) porque (o partido) estava precisando superar aquela cota de 30%”, admitiu o marido de Tina Lopes, laranja assumida


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