Um caleidoscópio de possibilidades infinitas. A obra de Joan Miró (1893-1983) reúne diferentes estilos por meio de pinturas a óleo, esculturas, cerâmicas, tapeçarias e gravuras, fazendo com que o artista espanhol seja reconhecido como uma das figuras mais dinâmicas e versáteis da cena artística do século XX.

Produziu mais de 2.000 obras, que chamavam a atenção pela forma e pelas linhas caligráficas, característica marcante que extrapolou suas telas para o trabalho gráfico. Sem dúvida, em termos de qualidade e quantidade de sua produção, Miró é identificado como um dos mais importantes gravuristas do século 20, posicionando papel no mesmo patamar de importância da escultura ou da pintura em tela.

Miró nasceu na bela cidade de Barcelona e mudou-se para Paris na década de 1920. Logo que chegou à França, fez amizade com vários artistas e ingressou no movimento surrealista. Suas primeiras gravuras foram ilustrações para um livro de poema e ele verdadeiramente se esforçou para conseguir transmitir mensagens por meio de cifras, símbolos e rabiscos. Curioso notar que a passagem de Miró da pintura para a gravura se deu graças à convivência com poetas.

Miró começou para valer no universo das gravuras tarde, aos 37 anos. Sua abordagem era metódica. Ele cortava as provas e reorganizava os elementos, agrupando as peças em novos padrões. Adicionava manchas de cor em giz de cera ou marcas semelhantes a glifos em tinta nanquim. Com etapas bem organizadas, criava a base dos desenhos e, somente depois, aceitava incorporar no seu trabalho algumas descobertas que surgiram na hora da produção. Seu processo criativo era muito certinho se compararmos com o de outros artistas da época. Enquanto Miró seguia a tradição da gravura europeia, Picasso, por exemplo, buscava efeitos especiais com o uso de materiais totalmente incomuns, como esmaltes de unhas.

Explorou sem medo as possibilidades de entalhe, litografia e carborundum. A propósito, vale comentar que o carboneto de silício abriu o leque de possibilidades de Miró ao permitir que suas gravuras-pinturas fossem monumentais em termos de dimensão, brilho e profundidade, além de poderem ser penduradas na parede. De meras ilustrações, seus desenhos ganharam vida para se tornarem obras suaves e líricas. Com isso, abandonou de forma definitiva o interesse pelo surrealismo, adotou uma linha abstrata e acabou influenciando, posteriormente, diversos pintores expressionistas.

Gostava de criar obras em conjunto com colegas e escutando a opinião de especialistas, como o Stanley William Hayter, pioneiro no método de impressão colorida simultânea a partir de uma única placa com todas as cores. Curiosamente, foi com o apoio de Fernand Mourlot que Miró criou suas melhores litografias. A “Série Barcelona” é composta por 50 imagens que foram produzidas de 1939 a 1944. Como resposta para a Guerra Civil Espanhola, apresenta personagens grotescos com línguas pontiagudas, braços como ganchos e narizes como troncos de elefante para representar a triste devastação de sua terra natal.

Chegou a morar em Nova York durante a Segunda Guerra Mundial e, depois, dividiu-se durante vários anos entre os Estados Unidos, Barcelona e Maiorca, ilha onde nasceu sua mulher. Sua curiosidade e interesse por novidades fez com que viajasse muito em busca de novas técnicas para seu trabalho, sempre definido por ele como ‘arte democrática’.

Suas obras estão nos principais museus do mundo e suas estampas coloridas e tardias são as mais apreciadas pelas dimensões e pela superfície de carboneto de silício. A crítica e os colecionadores continuam olhando torto para algumas de suas fases artísticas, fazendo com que alguns dos leilões de obras de arte não atingissem o valor mínimo estipulado para a venda. Felizmente, há pouco mais de um mês, um leilão online arrecadou 28,9 milhões de dólares pela obra “Mulher de Chapéu Vermelho”, demonstrando que a nova geração de colecionadores está menos preocupada com as categorias tradicionais do mercado de arte que tínhamos antes da pandemia.

Miró foi defensor da simplicidade como a melhor forma de ganhar liberdade. Adoro uma frase sua que dizia com frequência ao apresentar seu trabalho: “tento aplicar as cores como palavras que formam poemas e como notas que compõem música”. Para ele, mais importante do que a obra de arte propriamente dita é o que ela vai gerar. “A arte pode morrer; um quadro pode desaparecer, mas o que vale realmente é a semente que fica”.

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