Quando a expedição de Pedro Álvares Cabral chegou à costa da Bahia, em 1500, as maiores árvores da Mata Atlântica atingiam mais que o dobro da altura do mastro da maior caravela da esquadra portuguesa. O que surpreende hoje é que algumas das árvores que já produziam sombra naqueles tempos ainda resistem às motosserras em pequenos trechos de difícil acesso em florestas espalhadas pelo País.

Essas árvores são as rainhas ancestrais da Mata Atlântica, que já se estendeu por 1,3 milhão de quilômetros quadrados, indo do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Com mais de 300 anos de existência, acima de 40 metros de altura e com troncos espessos, essas sobreviventes da última expansão madeireira nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste — refreada a partir da década de 1970 — estão sendo mapeadas e vão virar “personagens” do livro “Remanescentes da Mata Atlântica — As Grandes Árvores da Floresta Original e seus Vestígios”. A iniciativa é do botânico Ricardo Cardim, que pretende lançar a obra em meados de novembro.

Cássio Vasconcellos

Uso de drones

Para encontrar essas sobreviventes, Cardim e colegas empreenderam seis expedições que percorreram reservas de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Alagoas. O autor conta com a parceria do fotógrafo Cássio Vasconcellos e do botânico, mateiro e fotógrafo Luciano Zandoná. O grupo se vale de drones para captar imagens inéditas das grandes árvores. A primeira novidade desse trabalho é a descoberta de um jequitibá-rosa batizado de Matriarca. Localizada no Parque Estadual Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro, interior de São Paulo, é considerada a segunda maior árvore já medida no estado. Sua localização é mantida em segredo e sua existência foi divulgada só no final desta semana. Também em Vassununga está Patriarca, um jequitibá-rosa de no mínimo 500 anos e 264 toneladas, considerado o maior e mais antigo ser vivo do Estado de São Paulo (e quiçá do Brasil). Alguns pesquisadores acreditam que o Patriarca poderia ter cerca de 2,5 mil anos, tendo brotado quando Buda estava vivo. Algo difícil de mensurar, já que nos trópicos os troncos não possuem anéis de crescimento tão evidentes quanto em climas frios, explica Cardim.

Arquipélago verde

Vistas sob os olhos de pesquisadores, essas árvores gigantescas são como ilhas em um arquipélago verde. Das suas raízes até o alto da copa vivem anfíbios, répteis, insetos, vermes, mamíferos e aves de todos os tamanhos possíveis. Isso vale para a grande peroba-rosa registrada em Porto Ferreira (SP) e as imbuias e araucárias encontradas em Caçador (SC), todas com 300 anos ou mais. “A copa de uma árvore numa floresta principal possui mais biodiversidade que regiões inteiras de alguns países frios. São como ecossistemas em si”, diz o botânico Cardim.

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Hoje, restam apenas 200 mil quilômetros quadrados de Mata Atlântica, algo como 12% do original. Nem tudo é floresta principal. Há grandes áreas que serviram ao plantio de café no interior de São Paulo que foram naturalmente reflorestadas depois da Crise de 1929. Ali a mata vingou de novo, não com o mesmo resplendor, mas com grande valor ambiental, abrigando jequitibás e paus-d’alho que crescem em terras roxas. Já no Sul da Bahia, as grandes árvores eram necessárias para proteger as plantações de cacau cabruca do sol. Isso permitiu que os pesquisadores encontrassem exemplares imponentes de paus-brasil em uma reserva em Itamaraju (BA). Em Alagoas, ao lado de canaviais, eles fotografaram copaíbas.

Em Sooretama (ES), na Reserva Natural da Vale, às margens de BR-101, o trio retratou uma nova espécie. Mesmo com 40 metros de altura, a jueirana-facão (Dinizia jueirana-facao) se manteve incógnita no meio da área de preservação até outubro de 2017, quando foi catalogada pelo pesquisador brasileiro Geovane Siqueira e dois colegas do Canadá e do Reino Unido. A árvore enorme era conhecida da população, mas ignorada pela ciência. “Mesmo depois de tão destruídas, essas florestas continuam a nos surpreender”, diz Cardim.

Cássio Vasconcellos


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