De gigantescos panoramas 360º a romances, o filme da Netflix “Quanto vale?” e reflexões filosóficas, os atos terroristas nos EUA continuam sendo material obras artísticas e intelectuais, duas décadas depois.Em 11 de setembro de 2001, as Torres Gêmeas do World Trade Center, sucumbiram a um atentado terrorista. Membros do grupo fundamentalista islâmico Al Qaeda sequestraram aviões de passageiros de companhias americanas, fazendo-os chocarem-se com os famosíssimos arranha-céus de Nova York, causando a morte de quase 3 mil pessoas.

Duas outras aeronaves sequestradas caíram no Pentágono e num campo do estado da Pensilvânia. Os passageiros desta última haviam tentando subjugar os terroristas.

Além de ter sido o pretexto para as guerras no Iraque e no Afeganistão, esses atentados entraram para a história como uma virada de época, e, mesmo passados 20 anos, a arte e a cultura se ocupam do “9/11”. Da literatura, cinema e televisão às artes plásticas e à arquitetura, eles suscitaram questionamentos. Como prantear os mortos? Como reconstruir uma cidade? E: o que se poderia ter feito diferente?

Arquitetura: Ground Zero, Daniel Libeskind

Hoje, no local em Manhattan onde se erguiam as Torres Gêmeas, está o assim chamado “Ground Zero” (Marco Zero), composto, entre outros, por uma praça pública muito frequentada pelos nova-iorquinos, e o One World Trade Center, um novo arranha-céu de 541 metros de altura.

A concepção original é do americano Daniel Libeskind. “Foi um projeto importante, pois está longe de ter acabado. Cidades têm vida longa”, explica o famoso arquiteto, também responsável pelo Museu Judaico de Berlim. Ele ainda está trabalhando no Ground Zero: “A intenção era que virasse um bairro de verdade, uma parte da cidade, e atualmente é isso o que é, está florescendo.”

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Antes, às 18 horas as calçadas já estavam vazias, explica, parte da Wall Street, o local formado apenas por “escuras sepulturas do dinheiro”. Hoje ele comporta restaurantes, escolas, residências. A peça central do Ground Zero é o memorial ao 11 de Setembro: dois tanques de nove metros de profundidade que recordam os fundamentos das antigas torres e os nomes dos que morreram.

Artes plásticas: New York 9/11, Yadegar Asisi

Quem ajudou Libeskind a realizar sua visão do memorial foi Yadegar Asisi. Nascido em Viena e crescido em Halle e Leipzig, no Leste da Alemanha, o artista especializado em panoramas de 360º foi corresponsável para a vitória do arquiteto na concorrência para a concepção do Ground Zero.

Hoje, o trabalho de Asisi gira mais uma vez em torno do 11 de Setembro: seu panorama New York 9/11 permitirá aos visitantes mergulharem na Nova York do ano 2001, e vivenciarem os cinco minutos antes de o primeiro avião se chocar contra a torre norte.

Em telefonema com a DW, ele explica a ideia inicial de sua obra: “Eu coloco os espectadores na posição de alguém que sabe que nos próximos cinco minutos sua vida mudará, e com ela, todo o mundo, quer se queira, quer não.”

Asisi lembra como são raros tais momentos de memória global: todo mundo ainda sabe onde estava, quando as torres caíram. E “lembrança só tem sentido se está emocionalmente preenchida, só assim ela pode ser utilizada a favor ou contra algo”.

Ele planeja integrar seu panorama numa exposição dedicada às consequências dos atentados terroristas. Dela constarão tanto decisões pessoais tomadas por ele, quanto as que marcaram a política global, como as guerras no Afeganistão e no Iraque, que ele vê de modo especialmente crítico. Asisi classifica New York 9/11 como seu quarto panorama antibélico.

Filme: Quanto vale?, Sara Colangelo

Depois ser apresentado no célebre Festival de Cinema de Sundance, Quanto vale?, estrelado por Stanley Tucci e Michael Keaton, estreou para o público em meados de 2021 na Netflix. Seu protagonista é o advogado Kenneth Feinberg, encarregado de formular em ação coletiva as exigências de indenização dos familiares das vítimas do atentado.

Como se mede o valor de uma vida? – é a questão no centro do filme dirigido Sara Colangelo, que também contempla criticamente as decisões políticas tomadas pelos Estados Unidos após os ataques terroristas. Com base nas recordações de parceiros, parentes e amigos, a diretora materializa um retrato das vítimas.

O resultado não é nem sentimental – como Lembranças (2010), com o ator Robert Pattinson – nem violento – como A hora mais escura (2012), de Kathrin Bigelow, acusado de glorificar a tortura. O roteiro não persegue pretensas trajetórias heroicas, nem se envolve em controvérsias sobre teorias de conspiração – como o recente documentário NYC Epicenters 9/11-202 1/2, dirigido para a HBO por Spike Lee.


Em vez disso, com Quanto vale? Sara Colangelo traça o retrato de seres humanos traumatizados e em luto, que não sonham com vingança, mas que seus entes queridos mortos sejam recordados.

Literatura: The force of nonviolence, Judith Butler

Também a literatura há muito aborda a temática do luto e do trauma em relação aos eventos de 11 de setembro do 2001.

Em 2005, o autor americano Jonathan Safran Foer criou um clássico moderno com Extremamente alto e incrivelmente perto, a história de um garoto de nove anos que vaga pelas ruas de Nova York à procura de respostas, depois de perder o pai nos atentados. Com recepção crítica mista, em 2012 o romance foi transformado em filme.

Em contrapartida, Frankenstein in Baghdad (2018), de Ahmed Saadawi, se desenrola na capital iraquiana ocupada pelos EUA e seus aliados. Um homem chamado Hadi, que na verdade só queria vender lixo, beber ouzo e dormir com prostitutas, um dia começa a recolher pedaços de corpos pelas ruas.

Seu desejo é que os restos mortais das vítimas dos atentados terroristas de Bagdá encontrem um último repouso. Assim, passa a unir, costurando, os diferentes fragmentos humanos, na esperança de um dia criar um cadáver que possa ser sepultado.

Também Judith Butler, uma das mais importantes pensadoras dos EUA, representante das teorias feminista e queer, se ocupa há 20 anos dos epocais atentados. Em reação ao 11 de Setembro, a professora de filosofia da Universidade de Berkeley passou a refletir sobre que vidas são consideradas dignas de luto em seu país, e quais não.

O resultado dessas reflexões só foi publicado em 2020: um apelo à igualdade social, The force of nonviolence (A força da não violência) urge a repensar seu modo de ser americano, de forma a evitar guerras e apreciar o valor de toda vida humana, quer ela se perca em Nova York ou em Cabul, e independente de cor da pele ou nacionalidade.

Vinte anos após os atos terroristas do 11 de Setembro, os Estados Unidos são um outro país. A arte e a cultura espelham essa mudança de autoimagem, de potência hegemônica invulnerável a um país que sequer sabe como nem por que prantear os mortos.


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