O grafite foi uma das primeiras expressões de Arte de Rua (Street Art) e começou a aparecer em paredes e laterais de vagões de trem por volta de 1930, em Nova York. Essa cultura começou de forma subversiva e hoje ganhou relevância pelo significado e pelo questionamento a ambientes sociopolíticos. Esse fenômeno deixou o underground para ter a participação de importantes artistas e encontrar o caminho das galerias de arte mais badaladas, marcando presença no mundo da arte contemporânea.
O movimento não se restringiu apenas ao grafite. Foi além, acompanhando a evolução e a diversidade da arte de rua no século XXI. Evoluiu para formas interdisciplinares complexas de expressão artística e encontrou seu caminho para o cerne da arte contemporânea, reunindo instalações, performance, videoarte, grafite, estêncil, poemas, cartazes, gravuras, montagens, murais e todos os tipos de manifestações artísticas que incluam projetos de colaboração. A Street Art tornou-se evidente por meio de artistas como Banksy e de documentários como “Exit Through The Gift Shop”. Com o surgimento de artistas alternativos, Street Art virou um terreno de experimentações e de rebeldia diante dos padrões, da mídia de massa e das estruturas hegemônicas da cultura popular. Em tempos de Covid-19, um bom exemplo disso pode ser visto nas ruas de Londres (clique aqui).
Com a mesma irreverência, mas em um formato muito mais estruturado, a arte está nas ruas de São Paulo. Até dia 16 de novembro, vale a pena ver a ‘Exposição na Paulista’, que acontece na Avenida Paulista, entre a Rua Augusta e a Alameda Campinas. Dezoito artistas estão apresentando seus trabalhos em quinze painéis instalados em um quilômetro do canteiro central da avenida mais famosa de São Paulo, por onde circulam 5 milhões de pessoas a cada 30 dias.
A exposição é eclética e tem artistas de diferentes gerações, com linguagens e estilos distintos, apresentando trabalhos que destacam a importância da liberdade e da democracia para a vida, para a saúde, a educação, a cidadania, a igualdade social. Para o curador Fernando Costa Netto, é muito interessante ver as pessoas fotografando, olhando e sorrindo para os painéis, que deixam a Avenida Paulista muito mais colorida e alegre.
O músico, poeta e artista visual Arnaldo Antunes e Marcia Xavier apresentam um painel conjunto, com uma poesia visual e uma imagem, na qual o corpo e sua sombra criam uma topografia. A obra que criaram se baseia em elementos de luz e objetos ópticos que incentivam a movimentação do espectador. De uma forma genial, Guto Lacaz usou sinais :) e :( com cinco fontes diferentes para mostrar diversidade e opiniões diferentes, contra e a favor. A Liberdade é representada com uma imagem de um boneco voando. Pinky Wainer, que tem um trabalho maravilhoso e repleto de detalhes, mostra em seu painel duas mulheres se afogando na falta de democracia.
Adriano Costa, que tem trabalhos expostos em museus e galerias pelo mundo, apresenta Regra Míope, criada a partir de imagens construídas basicamente em celular. As imagens parecem borrões para chamar a atenção que, muitas vezes, bom senso vale muito pouco ou quase nada. O artista alerta que a moral está baixa e que os nossos olhos deveriam estar abertos. O trabalho de Marcelo Cipis mostra um homem com vários olhos, bocas e narizes para destacar a importância discutir democraticamente diferentes pontos de vista. A imagem da mulher com a cabeça aberta também mostra um ser humano disponível para discutir livremente a diversidade de opiniões sobre as coisas da vida.
Os Tupys, primeiro coletivo de arte urbana surgido nos anos 1980, ressurge com o trio de artistas Carlos Delfino, Ciro Cozzolino e Zé Carratu com a proposta de reutilizar a cidade como suporte para as intervenções artísticas, ocupando muros e laterais dos edifícios com criações feitas por vários artistas, sempre carregadas de humor, ironia e crítica social. O ativista Mauro Neri (também conhecido como Veracidade) mostra imagens de gente, casas e escritas como conjugações com a palavra “ver” em percursos de acessos para além das fronteiras. Para ele, a pandemia explicitou ainda mais as urgências e as vidas parecem importar menos. Com origem na periferia sul de São Paulo, brinca e desenha desde a infância, tornando-se depois educador, muralista, artista plástico, grafiteiro e pichador. Para ele, educação, comunicação e arte é o caminho de ser e de fazer justiça e democracia.
Para quem gosta de poesia, o painel de Tadeu Jungle traz dois poemas que lembram a bandeira brasileira e, ao serem lidos várias vezes seguidas, são mais bem compreendidos. Com isso, reflete sobre a inércia das pessoas e questiona uma postura de mudança por parte do leitor. Lenora de Barros apresenta uma obra que resume sua trajetória artística. Palavras e imagens foram os materiais iniciais de seu trabalho, mas, posteriormente, sua produção passa a utilizar diversos suportes, como vídeo, performance, fotografia, instalação sonora e construção de objetos para explorar a narrativa poética. A artista usa uma marca de inseticida para fazer um jogo de palavras. A nova versão de Xô Dor chega agora à Avenida Paulista com linguagem de cartoon, inédita, e com projeto gráfico de Pedro Lunardi.
Pegando o gancho de imagens censuradas em mídias sociais, o artista de rua Alexandre Orion mostra duas fotografias de Janaína Franco para refletir a ausência de democracia para a conquista de um futuro igualitário. Seu painel traz uma imagem de um mamilo e, também, seu retrato, com o rosto coberto por uma estrela, ícone frequentemente utilizado para esconder mamilos no compartilhamento de fotos com essa parte do corpo feminino. O artista plástico e videomaker Frederico Filippi apresenta em seus painéis imagens que tratam do sequestro dos emblemas da bandeira nacional pelo discurso e valores, utilizando-se de padrões repetitivos que reproduzem o hipnotismo e o transe do discurso do populismo violento aplicado em símbolos de comunicação massiva.
Artista intermídia, Walter Silveira apresenta Nexus, um desenho caligráfico das letras unidas, criando uma máscara de união onde o signo verbal é camuflado. Deco Farkas aproximou-se da arte de rua com o pseudônimo TRECO e na exposição mostra uma imagem técnica das partes que compõe uma urna, incluindo bobinas, contatos, botões, veias, artérias e ventrículos, conforme sua descrição.
Alex Cerveny apresenta duas aquarelas que foram feitas no tamanho de um papel A4. Em um dos painéis preparou o que considera a liberdade, com uma figura com relevos, nariz, queixo e uma imagem semelhante à árvore do saber bíblico. Na outra aquarela, foca em democracia, mostrando de uma forma bem clara e evidente a força do conjunto das pessoas. O artista mostra que a diversidade do conjunto cria uma unidade para conseguir coisas em comum.
Sem dúvida, a arte na rua é importante para manter áreas urbanas e seus moradores energizados e inspirados para causas importantes da sociedade. São Paulo é uma mega metrópole e tem condições de tornar exposições como essa em algo permanente, transformando áreas degradadas em pontos turísticos repletos de Street Art.
Agradeço a Fernando Costa Netto por me apresentar seu projeto e tomara que ele cresça para outras cidades. Se você tiver uma boa história para compartilhar ou se deseja saber mais sobre um artista em especial, aguardo sugestões pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.