Filha de oftalmologista, Denise Milan (São Paulo, 16 de julho de 1954) aprendeu a olhar o mundo de um jeito diferente. Pelas lentes do pai, treinou seu olhar para prestar atenção a detalhes. Foi ele quem a presenteou, aos cinco anos, com uma caixinha de pedras brasileiras. Interessante notar que aquele simples presente iria se tornar o grande tesouro de sua infância e de sua vida adulta, sendo a base de seu trabalho como artista contemporânea amplamente reconhecida internacionalmente.

Agora em 2023, sua exposição inaugura o mais novo espaço da belíssima DAN Galeria. Instalado no interior de São Paulo (Itu) dentro da Fábrica São Pedro, onde está o FAMA Museu, o local abriga, até 31 de julho, 20 obras todas feitas a partir de minérios como pedras, fundições de alumínio e bronze. O conjunto de obras promove uma profunda reflexão para o interior de cada visitante, para o outro e para a criação da Terra, alertando para os riscos que teremos se deixarmos de prestar atenção e de cuidar do meio ambiente.

Denise Milan formou-se em economia pela USP, na famosa turma de 1977 que tinha alunos como Persio Arida, Eduardo Gianetti, Lídia Goldenstein e Aloizio Mercadante. Frequentou as aulas na FAU do cenógrafo, artista e arquiteto Flávio Império e as do historiador de arte, artista e crítico, Flávio Motta. Acrescentou a dimensão popular ao seu conhecimento artístico ao entrar nos bastidores das grandes escolas de samba no Rio de Janeiro, onde aprendeu a arte da alegoria dos carnavais com o grande mestre Joãozinho Trinta. Assim que concluiu o curso de economia, foi morar na Espanha para conhecer o universo da dança. Em 1974, volta seu olhar para as origens ancestrais e vai estudar na Califórnia com Jamila Salimpour, criadora de um estilo que desmistifica os clichês orientalistas da dança do ventre e estrutura uma nova linguagem dessa arte. Nessa época, conheceu Manuela Mena e se tornou discípula dessa historiadora de arte, que, mais tarde, seria a curadora da coleção Goya e Velásquez do Museu do Prado.

Em 1981, mudou-se para Nova Iorque, o epicentro das artes naquele momento, onde expandiu seus conhecimentos de performance e teatro experimental com artistas e diretores da vanguarda. Em 1988, estreou em grande estilo no MAM de São Paulo, com sua primeira grande exposição chamada ‘Luzes’, trazendo o foco para o cosmo, como se as estrelas brilhassem no interior da pedra, elemento central e eixo criativo de suas obras e de sua carreira artística mundialmente conhecida, que explora diferentes mídias e abrange esculturas, videoarte, performance urbana, artes cênicas, arte pública e arte multimídia.

Suas obras conseguem gerar alto impacto também pelo apoio que recebe de especialistas internacionais especializados em ciência e tecnologia, antropologia, filosofia, literatura e música. A luz também ganhou destaque em sua carreira, abrindo caminho (em sua obra e em sua vida pessoal) como a resposta para a transformação do sofrimento em energia. Seu pai faleceu quando ela tinha apenas onze anos. Dos seus três filhos, a menina do meio viveu apenas quatro meses, deixando uma saudade imensa na artista.

Momentos trágicos podem gerar superação e ela, sem dúvida teve muitas situações de turning points. Buscou na matéria a saída para superar inclusive suas trincas pessoais e ganhou uma infinidade de fãs ao promover uma profunda reflexão sobe a existência humana. Denise costuma dizer que a dor pode ser vista como um dos passos de transformação e superação para alcançar um propósito ainda maior e que passa pela realização do sonho interior de cada um. Para ela, a alquimia da pedra entende como a matéria acolhe e cumpre seu propósito.

Sem dúvida, essa questão metafísica está em toda a sua obra e, em especial, nessa mais recente exposição que foca em cristais, em espiritualidade e no pensamento sobre os valores atuais e o legado que deixaremos após a nossa partida. Se a pedra pode mudar ao longo dos anos, por que às vezes acreditamos que não conseguimos?

Nessa exposição, a artista propõe uma nova experiência: a transformação da nossa posição perante a natureza para fazer parte dela e de uma jornada maior. A pedra, muito presente em suas obras, representa a sobrevivência. Por milhões de anos, os cristais passaram por tempestades, dramas causados por vulcões, mudanças de temperatura e estão hoje aqui para nos contar sobre suas trajetórias. A captura de ângulos e cores inimagináveis se dá, segunda a artista, graças a sua capacidade de estudar a matéria e conseguir parar para refletir sobre a história que cada pedra tem para transmitir. “Somos resultados do que aconteceu com nossos ancestrais, assim como as pedras nos trazem as informações do universo”

No total, Denise soma mais de quarenta anos no estudo e no trabalho artístico com geologia metafísica e apoio de especialistas brasileiros e internacionais no tema. Na leitura das pedras, a natureza ganha protagonismo para ajudar no entendimento do tempo atual. Seu olhar de artista contemporânea revela o que quase ninguém vê no meio ambiente. Um bom exemplo disso é a principal obra da exposição, batizada de ‘Útero Magmático’. O cristal tem aproximadamente 130 milhões de anos e sua forma faz alusão a um útero, dando nome à mostra e trazendo uma luz pulsante nos seus 130 cm de diâmetro. Os espectadores são convidados a interagirem com a instalação por meio de um olho mágico que é, justamente, o quartzo rosa que pulsa revelando o potencial de fecundação que origina todas as criações do planeta.

As bolhas internas de ar existem por causa da formação de ultra magmáticos, onde o basalto tenta entrar. Pode-se dizer que é o local do conflito e, justamente por isso, cria uma forma especial como se fosse um útero materno. Essa pedra tem outra questão interessante, perfeita para narrativa do nascimento. Foi encontrada no Rio Grande do Sul e deve ter sua origem na separação dos continentes, sendo resultado de erupções vulcânicas e magma efervescente. Sua coloração especial foi conseguida graças à aplicação de luzes, feita a seu pedido por cientistas americanos.

Outro destaque é “TrincAr”, obra que apresenta as rachaduras vulcânicas do corpo do planeta por onde escorreram a lava magmática. A peça faz uma associação direta com as trincas humanas e faz um convite à visitação e rememoração do ponto de origem da matéria que formaram as pedras da exposição. Para Denise, todos temos nossas trincas na vida e é por meio delas que conseguimos entender como a matéria está em constante transformação. A artista afirma que tudo é energia e as cristalizações são o oposto de momentos estáticos, sendo marcas de vitalidade da gestação. Os visitantes podem conferir “Cicatriz” com ideogramas de quartzos para refletir o movimento dos átomos e das moléculas do quartzo numa relação com a dinâmica de nossas emoções e sentimentos, antagonismos e afinidades.

Como artista de projeção internacional, sua poética é permeada pelo universo mítico e por uma série de símbolos que evocam e despertam, como a pedra o faz, nossa memória ancestral. Suas exposições e instalações foram apresentadas em várias instituições de renome, em diferentes locais e em museus do mundo como, por exemplo, MoMA (Nova Iorque), Adler Planetarium & Astronomy Museum (Chicago), Museu de Arte Contemporânea (Chicago), Wilson Center (Washington), John F. Kennedy Center para Artes Performáticas (Washignton), COP22 (Marrocos), Guandu Nature Park (Taiwan), DO-FEST no Emerson Collective (Marrakech), Galerie d’Architecture (Paris), Palazzo del Monte Frumentário na Piazza del Angeli (Itália), Fondazione Berengo (Itália), Centro Cultural Banco do Brasil (Brasil), Solar no Ferrão (Brasil), e no MAM, no MASP, na 20ª, 21ª e 33ª Bienal de São Paulo.

Vale comentar que a DAN Galeria foi fundada em 1972 por Gláucia e Peter Cohn. Nos primeiros anos, concentrou-se na arte moderna brasileira, apresentando trabalhos de importantes modernistas como Di Cavalcanti, Antonio Gomide, Ismael Nery, Tarsila do Amaral, entre outros. Ainda nos primeiros anos de funcionamento, artistas como Alfredo Volpi, Cícero Dias, Antonio Bandeira e Yolanda Mohalyi passaram a ser representados pela galeria. Esse movimento ganhou força com a chegada de Flávio Cohn, responsável pela criação de um departamento especializado em arte contemporânea, em 1985, e, posteriormente, com seu irmão, Ulisses Cohn, que também ingressou na diretoria da DAN. A galeria se mantém em evidência há várias décadas pelo espaço que dedica a artistas brasileiros e pela relação próxima que mantém com nomes internacionais. Para nossa sorte, os movimentos artísticos historicamente se entrelaçam e dialogam entre si, sempre sem fronteiras. Se tiver uma boa história para compartilhar, aguardo sugestões pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.