RACHADINHAS Flávio Bolsonaro contratou a mãe e a mulher de Adriano, que lhe devolviam parte do salário (Crédito:Eraldo Peres)

Parece que o governo Bolsonaro arrumou um Celso Daniel para chamar de seu, pois o fantasma do capitão Adriano Magalhães da Nóbrega está voltando a assombrar o Palácio do Planalto e a família do mandatário. Numa escuta telefônica feita pela Polícia Civil do Rio de Janeiro há dois anos, e que só agora veio à tona, Daniela Magalhães da Nóbrega, uma das irmãs de Adriano, acusa integrantes do Palácio do Planalto de oferecerem cargos comissionados em troca da morte do irmão.

O ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro Adriano da Nóbrega morreu em fevereiro de 2020 durante um suposto confronto com policiais militares no interior da Bahia. O crime, no entanto, teve todas as características de queima de arquivo, uma execução propriamente dita, já que ele foi cercado e morto por mais de 70 policiais. Ele era considerado o chefe da milícia Escritório do Crime e na época estava há mais de um ano foragido da Justiça.

Depois do seu assassinato, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que já havia homenageado o ex-policial com a Medalha Tiradentes e empregado sua mulher e sua mãe em seu gabinete quando ainda era deputado estadual no Rio, publicou mensagem na rede social que suspeitava que Adriano tivesse sido torturado. Adriano era um dos investigados por participação no suposto esquema de rachadinha do gabinete de Flávio na Alerj. O senador nega.

Na gravação, que foi autorizada pela Justiça, pode-se ouvir a irmã do ex-policial, Daniela Magalhães da Nóbrega, conversar com uma tia dois dias após o crime. Durante a conversa Daniela afirma para a tia que Adriano soube de uma reunião envolvendo seu nome no Palácio do Planalto e que queriam que ele se tornasse um “arquivo morto”.

“Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disso, já. Foi um complô mesmo”, diz Daniela, que não é acusada de envolvimento nos crimes do irmão.

Desde então, a família acredita na hipótese de uma execução para “queima de arquivo”, o que até hoje não foi comprovado. Em outros trechos da gravação pode-se ouvir Daniela falar para a tia que o irmão havia dito que não ia se entregar porque iam matá-lo na prisão. “Iam matar ele lá dentro. Ele já estava pensando em se entregar. Quando pegaram ele, tia, ele desistiu da vida”. Não demora muito e ouve-se a mesma tia, cujo nome não foi identificado, comentar com Tatiana, outra irmã do ex-policial, que Daniela sabia de muita coisa.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro ouviu conversas de familiares, amigos e comparsas do miliciano durante mais de um ano. A gravação faz parte das escutas realizadas no âmbito da Operação Gárgula, da Polícia Federal, cujos alvos eram o esquema de lavagem de dinheiro e a estrutura de fuga de Adriano.

À época, até mesmo o presidente Jair Bolsonaro levantou suspeitas sobre as circunstâncias da morte de Adriano. O presidente e seu filho zero um, o senador Flávio, solicitaram que houvesse uma perícia independente para analisar o caso, o que foi motivo de elogios de Tatiana, a outra irmã, numa outra conversa gravada. “Ele foi nos jornais e colocou a cara. Ele falou: ‘Eu estou tomando as devidas providências para que seja feita uma nova perícia no corpo do Adriano’. Porque ele só se dirige a ele como Adriano, capitão Adriano.”

De acordo com as gravações, Tatiana suspeita que a ordem para matar seu irmão foi do ex-governador Wilson Witzel. “Foi esse safado do Witzel, que disse que se pegasse era para matar. Foi ele.” Na escuta podemos ouvir, ainda, Tatiana negar que o irmão fosse miliciano. “Pessoal cisma que ele era miliciano. Ele não era miliciano não. Era bicheiro. […] Querem pintar o cara numa coisa que ele não era por causa de coisa política. Porque querem ligar ele ao Bolsonaro. Querem ligar ele a todo custo ao Bolsonaro.”

As escutas apontam que, na avaliação da família, Adriano era acusado de integrar uma milícia apenas para vincular o presidente aos grupos paramilitares. O que se sabe é que Bolsonaro tinha vínculos com Adriano da Nóbrega desde 2005, pelo menos, quando, num discurso na Câmara dos Deputados, criticou a condenação do então tenente da PM em razão da morte de um flanelinha numa operação policial.

Dois anos mais tarde, em 2007, a então mulher do ex-PM, Daniella Mendonça, foi empregada no gabinete de Flávio na Assembleia do Rio, quando este ainda era deputado. Nove anos depois, a mãe de Adriano também assumiu um cargo no mesmo gabinete. Tanto a mulher de Adriano quanto a mãe do ex-capitão, Raimunda Veras Magalhães, são acusadas de participação no esquema da “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

EPITACIO PESSOA/AE
Patrícia Santos

O corpo insepulto do PT

Era noite de 18 de janeiro de 2002, quando o então prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), saía de um restaurante nos Jardins, em São Paulo, numa Mitsubishi Pajero dirigida pelo empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra. De acordo com depoimentos da época, o automóvel em que estava Celso Daniel foi perseguido por outros três veículos até chegarem na altura do número 393 da Rua Antônio Bezerra, no bairro do Sacomã, Zona Sul da capital. Os sequestradores arrancaram o então prefeito do carro e o levaram para um cativeiro na Favela do Pantanal, em Diadema. Sombra, que fazia as vezes de segurança do prefeito, foi poupado. Nada lhe aconteceu e, por isso, chegou a ser suspeito de participação no crime. Dois dias depois, o corpo de Celso Daniel foi encontrado com marcas de tortura na altura do quilômetro 328 da rodovia Régis Bittencourt (BR-116). Foi executado por 11 tiros. Menos de três meses depois, a Polícia Civil de São Paulo concluiu que o prefeito foi sequestrado por acaso por uma quadrilha que estava atrás de um empresário cuja identidade nunca foi revelada. Na ocasião, o irmão de Celso Daniel, João Francisco, levantou a hipótese de crime político. Segundo ele, seu irmão morreu porque guardava um dossiê sobre um esquema de corrupção na prefeitura de Santo André que desviava dinheiro para o PT, sobretudo para a campanha de Lula na eleição de 2002, quando o petista se elegeu presidente pela primeira vez.