MISTURA DE ELEMENTOS Madeira e porcelanato se combinam de maneira equilibrada na sala de jantar e Poltrona Alta, de NIemeyer, se destaca na decoração (Crédito:Denilson Machado)

Se a vida pré-pandemia parece ter acontecido em um passado distante, o protagonismo do lar é uma mudança de comportamento que veio para ficar. Antes o lazer estava majoritariamente em restaurantes, casas noturnas e cinemas, agora, passamos mais tempo em casa, e mesmo com a vacinação e a volta tímida das atividades habituais, a residência ganha ares de protagonista. Nos primeiros momentos da pandemia de Covid-19, as pessoas correram às pressas para organizar um home office, um local de estudos para os filhos e quem sabe até a construção de piscinas e academias. Passado o momento de improvisação, no entanto, começou o planejamento de um ambiente que deixe todo o caos da atualidade para trás e que também seja um recanto de paz, harmonia e obras de arte — sejam elas de artistas renomados ou quem sabe até trabalhos escolares das crianças.

Denilson Machado

Na edição desse ano da CASACOR, exposição que aborda novidades e lançamentos da arquitetura, do design e do paisagismo em São Paulo, alguns ambientes se destacam por trazer o aconchego e liberdade, seja em um projeto de duzentos metros quadrados, como é o caso da poderosa instalação “Aconchegos Portinari” ou até em quarenta metros, como o da “Casa Tempo”, que chega a lembrar um contêiner, mas é muito mais do que isso. E, como conforto não é apenas sinônimo de cores neutras, há o “Estúdio Liberdade”, que traz todo o arco-íris para dentro da casa.

“O futuro do prazer de morar” foi a premissa que levou as arquitetas Nathalia Mouco, Fernanda Tegacini e Fernanda Morais a elaborarem o espaço “Aconchegos Portinari”. Em duzentos metros quadrados, as profissionais, que se conhecem há 20 anos, estudaram juntas, engravidaram juntas e claro, trabalham juntas na “Très Arquitetura”, empresa criada por elas, deixam de ser promessas para alcançarem a maturidade profissional. Apesar de terem começado aos poucos, demoraram sete anos até abrirem o próprio escritório, agora, além de possuírem um dos lares mais elogiados do evento, trazem a criação assinada do seu primeiro mobiliário, a mesa Giorgia, uma peça de centro funcional e moderna para a sala de estar ou a de televisão. Ao entrar na casa aconchegante das arquitetas, a combinação entre porcelanato e madeira é mesclada com maestria. Isso também acontece com a mesa Giorgia. Inicialmente feita para um cliente em mármore e madeira, na mostra ganha a versão em porcelanato. “O porcelanato usa a linguagem do mármore e é mais barato e tem uma preocupação com o meio ambiente”, diz Fernanda Morais.

DESIGN Mesa Giorgia é a primeira obra autoral do grupo de arquitetas: modernidade (Crédito:Divulgação)

É difícil imaginar que o que se vê não é mármore, fora a mistura de cores quentes em madeira que passam a sensação de um ambiente repleto de calor, distante dos pisos gelados e do minimalismo baseado apenas no branco. “Diversos tons conversam entre si, cada detalhe foi pensado para trazer essa sensação de acolhimento mesmo”, diz Fernanda Tegacini, de 36 anos. Os cinquenta tons de madeira, cobre, dourado e cinza são sutís, mas em nada lembram o aborrecido “bege”.

Os detalhes, como um quadro com um pulmão feito em dourado, não nos deixam esquecer o momento histórico em que vivemos. “Tivemos a preocupação em investir em artistas brasileiros consagrados como Oscar Niemeyer e sua Poltrona Alta e a mesa Pétala, de Jorge Zalszupin. Mas também pensamos em novos talentos como o designer Daniel Jorge e tantos outros”, diz Nathália Mouco, de 36 anos. Apesar da pouca idade, as arquitetas conquistaram espaço no mercado da arquitetura e construção em apenas sete anos comandando o próprio escritório. “Na pandemia a procura aumentou bastante, primeiro era uma abordagem, mas quando viram que não seria uma breve quarentena, as pessoas começaram a levar a sério o ambiente em que moram”, diz Morais. Quem resume de forma clara o objetivo da casa ideal para a nova década é Nathalia, que define o aconchego: “É você chegar num lugar e pensar: que ambiente gostoso de ficar. Você não consegue entender o que está acontecendo, mas você tem esse sentimento de bem estar”.

“Aconchego é você chegar num lugar e pensar: que ambiente gostoso de ficar. Você não entende o que está acontecendo, mas sente o bem-estar” Nathalia Mouco, arquiteta

Inspirada por uma arquitetura minimalista que transmite calma e tranquilidade, a arquiteta Ticiane Lima assina a “Casa Tempo”, uma residência de 40 m2 que marca sua primeira construção completa. Para Ticiane, a praticidade através da integração dos ambientes é o segredo. O espaço pequeno parece enorme por seu teto parcialmente em vidro, que permite a ampla entrada da luz solar em todos os ambientes. O espaço reduzido, por exemplo, não impede o conforto de se ter um ofurô no banheiro. “A sensação de modernidade, não tira o aconchego das peças”. A casa compacta, para Ticiane, é ideal para se colocar um chuveiro ao lado de fora, nos dias de calor. “Aqui você encontra luz desde quando o sol nasce e também quando se põe”, diz. O ambiente parece perfeito para ser usado como uma segunda casa, seja no campo ou na praia, por exemplo. Entrar na “Casa Tempo” é relaxar com o brilho da natureza.

COMPACTA Casa Tempo, de Ticiane Lima, transmite calma e conforto em 40 m2: luz natural (Crédito:Divulgação)
CORES Estúdio Liberdade foge da realidade cinza do dia a dia: cadeira de Lina Bo Bardi (Crédito:Divulgação)

“Quis ser ousado e imaginei que receberia críticas por colocar minha personalidade na criação. Quando entram aqui, as pessoas revivem” Pedro Marqui, arquiteto

Já o “Estúdio Liberdade”, do jovem arquiteto Pedro Luiz de Marqui, que faz sua estreia na mostra, é repleto de cores e obras de arte em 60 m2. Uma cadeira original de Lina Bo Bardi pode ir muito bem com um tapete que lembra um ovo mexido. Instalação de arte em vidros coloridos suspensos por cabos de aço, criada pelo próprio arquiteto, pode ser um ótimo divisor de ambientes. E porque não uma bicicleta branca como simples decoração? “Eu quis ser ousado, imaginei que receberia muitas críticas por colocar a minha personalidade na criação”, afirma de Marqui.

No entanto, a única crítica que recebeu, por enquanto, foi a de um parente, diz ele rindo. Para o arquiteto sair de um mundo cinza e entrar em um ambiente com cores, plantas e obras de arte é o que traz paz e conforto. “As pessoas que visitam a exposição chegam aqui e dizem que ‘reviveram’ depois de tanta cor”. A cada novo olhar, encontra-se um detalhe diferente, como uma das primeiras cadeiras desenhadas pelos irmãos Campana. “Apesar de não ser funcional, o conforto está em olhar para ela”, diz o apaixonado por design. Banheiro branco? Nem pensar. O arquiteto usou o chamado mármore bordô, produto vindo do Espírito Santo. Seja qual for o seu estilo, morar bem e de acordo com o que lhe traz paz não é mais um luxo, é saúde mental.