A Arquidiocese de São Paulo anunciou nesta quinta-feira, 5, a criação de um sistema de notificação de abusos sexuais por integrantes da Igreja Católica. A iniciativa atende a uma determinação do Papa Francisco, que, em maio de 2019, deu prazo de um ano para todas as dioceses do mundo criarem serviços de queixa e resposta para relatos de violência sexual e assédio.

“Podemos dizer é tarde, mas veio (a comissão). Para as vítimas sempre é tarde. Mas não é de agora que estamos avaliando denúncias”, declarou o arcebispo metropolitano de São Paulo, Cardeal D. Odilo Scherer, em coletiva de imprensa.

Conforme o decreto papal “Vos estis lux mundi” (“Vós sois a luz do mundo”, em latim), as investigações devem garantir a confidencialidade dos envolvidos e ser rápidas – a duração prevista é de até 90 dias. Os religiosos que acobertarem relatos também podem ser punidos.

As denúncias poderão ser apresentadas de modo presencial, por e-mail e em carta, mas não serão aceitas informações anônimas. Elas deverão fornecer “de forma detalhada”, segundo regulamento da arquidiocese, dados sobre o caso, como nome e contatos do denunciante, datas e locais em que ocorreram os supostos abusos. Também é recomendada a apresentação de material documental, fotos ou gravações, além de contatos de testemunhas.

Os casos na Arquidiocese de São Paulo – instituição que contempla paróquias da região central e parte das zonas oeste, sul, norte e leste – serão investigados pela “Comissão Arquidiocesana para a Aplicação do Motu Proprio Vox Estis Lux Mundi”, criada pela Cúria Metropolitana em 26 de fevereiro e que terá atuação “por tempo indeterminado”.

“Tem a incumbência de zelar para que todas as instituições e organizações católicas presentes e/ou atuantes no âmbito desta Arquidiocese sejam lugares seguros e livres de abusos sexuais”, diz o decreto de criação da comissão, que entrará em vigor neste domingo, 8.

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Antes mesmo da criação comissão, denúncias foram feitas contra padres da Arquidiocese de São Paulo, sendo que alguns casos foram levadas à Justiça comum, mas os números de afastados não foram divulgados

“É fato. Há muitos anos, esses escândalos de abusos sexuais vindos à tona fazem mal às vítimas e trazem danos à credibilidade da pregação da própria igreja”, disse D. Odilo. “Denúncia anônima e ‘eu ouvi dizer’ não tem como ir adiante. Denúncia assumida, iremos atrás.”

Sobre a relação entre o processo conduzido dentro da arquidiocese com a Justiça comum, D. Odilo explica que irá proceder de acordo com o estabelecido na lei civil. “Deverá haver colaboração com a Justiça nos termos da lei. As pessoas serão orientadas sobre a possibilidade de também fazerem a denúncia perante a autoridade civil competente”.

A comissão será composta por ao menos oito membros, incluindo clérigos, religiosos e leigos, considerados “peritos” em Direito Canônico, Direito Civil e Penal, Psicologia, Assistência Social e Pastoral, com mandato por tempo indeterminado. Ela irá se reunir ao menos a cada duas semanas para avaliar denúncias recebidas.

“A comissão não é um tribunal. É uma comissão de ouvidoria que tem a competência de receber denúncias sobre os delitos tipificados. Fazer um primeiro discernimento sobre os fatos. Ela não será um tribunal nem emitirá sentenças. Se for o caso, a parte de tribunal será o passo seguinte. A investigação mais aprofundada passa a ter uma comissão de investigação própria, sendo decidido depois se irá ao Tribunal Eclesiástico, mas suas diversas instâncias”, afirmou o arcebispo metropolitano de São Paulo.

Além de informar o arcebispo sobre as denúncias, a comissão também deverá informar a suposta vítima e o suposto agressor sobre os encaminhamentos e propor medidas para acompanhar e ajudar os afetados.

O regulamento da comissão prevê, ainda, a obrigação de “acolher com caridade e escutar as vítimas e seus familiares que apresentarem uma denúncia de abuso sexual contra menores e/ou contra pessoas em situação de vulnerabilidade”. “A recusa ou omissão na observância das normas ou na execução do estabelecido neste regulamento serão passíveis de sanções canônicas.”

O coordenador da comissão será o padre Ricardo Anacleto, nomeado pelo arcebispo, sendo o responsável pela organização dos trabalhos da comissão. O regulamento prevê o encaminhamento “imediato” o das denúncias recebidas para “a instauração dos procedimentos cabíveis”.

Segundo o regulamento, os trabalhos serão acompanhados e avaliados periodicamente. Durante as investigações, a comissão deverá “adotar e promover políticas de transparência, no respeito à privacidade e à reputação das pessoas”.

A Igreja considera passíveis de investigação casos em que algum religioso praticou alguma das seguintes ações: forçar alguém, com violência, ameaça ou abuso de autoridade, a atos sexuais; ter atos sexuais com um menor de idade ou com uma pessoa vulnerável; produzir, exibir, portar ou distribuir material pornográfico infantil; e atuar no recrutamento ou indução de um menor ou pessoa vulnerável a participar em exibições pornográficas.

Arquidiocese pioneira


A arquidiocese pioneira no cumprimento da medida do pontífice foi a de Porto Alegre, no dia 26. Na capital gaúcha, a Comissão Arquidiocesana Especial de Promoção e Tutela de Crianças ficará responsável por combater e denunciar o abuso infantil vindos de membros da Igreja nos 29 municípios sob sua circunscrição.

“Temos de reconhecer que não se deu a devida atenção ao longo do tempo a esses casos de abuso. É uma realidade sem dúvida e que explodiu mundo afora, em torno de 20, 30 anos atrás e de repente nós começamos a ser informados”, disse no lançamento do serviço dom Jaime Spengler.

Nessa arquidiocese, o trabalho incluirá denúncias por e-mail e telefone próprio e a comissão de análise terá uma assistente social, um jurista, uma procuradora de Justiça do Ministério Público e a delegada chefe do departamento de Grupos e Pessoas Vulneráveis da Polícia Civil do Rio Grande do Sul.

Como denunciar abusos na Arquidiocese de São Paulo:

– De forma presencial: sede da Comissão (Rua Xavier de Almeida, 818, Ipiranga)

– Pelo e-mail: tutela.arquisp@gmail.com

– Por carta registrada: sede da Comissão (Rua Xavier de Almeida, 818, Ipiranga – CEP 04211-001)


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