Seu novo longa provocou reações viscerais no recente Festival de Veneza – o público dividiu-se aplaudindo e vaiando Mother!/Mãe!. A relação de amor e ódio de Darren Aronofsky com Veneza não é recente. Em 2011, Aronofsky presidiu o júri que premiou Fausto. “Quando vimos o (Alexandr) Sokurov, nos dissemos ‘É ele!’ Quantos filmes vi depois? Um monte. Da maioria, nem me lembro. De Fausto, guardo cenas inteiras.” Isso significa que Aronofsky não gosta de blockbuster? “Depende. Gosto da série Planeta dos Macacos, e especialmente da trilogia de Matt Reeves.” E Guardiões da Galáxia 2? “É muito divertido. Prazer puro. E ainda tem aquela trilha.”

Aronofsky faz essas confidências ao repórter na entrevista realizada nesta terça, 19, à tarde num hotel dos Jardins. Chegou pela manhã a São Paulo, deu uma coletiva e uma série de entrevistas para TV e online. O jornal “O Estado de S. Paulo” foi o único impresso com o qual falou. Às 5 da tarde, seguia animado. Mãe! estreia na quinta, 21, em 300 salas de todo o Brasil. Nos EUA, o fracasso foi retumbante – a pior abertura de um filme estrelado por Jennifer Lawrence. Aronofsky não finge que não se importa. “Faço filmes na expectativa de que o público venha, e goste.” Então, o que deu errado com Mãe!? “Não vejo dessa maneira. Sabia, desde o início, que seria um filme mais difícil.”

Mãe! comporta múltiplas leituras. Aronofsky está entregando um enigma para o público. A pergunta que não quer calar – versa sobre o quê? A coletiva foi reveladora – um monte de jornalistas andando em círculos, fazendo perguntas meio aleatórias, como quem atira a rede ao mar. O que vier de peixe é lucro. Ele ri da comparação. Mãe! é muito particular em seu processo criativo. Às vezes, Aronofsky demora anos amadurecendo um projeto. Mãe! foi escrito em cinco dias febris. A mãe do título pode muito bem ser a Terra. “Vocês aqui em São Paulo não devem se ligar muito na devastação ambiental no Canadá. Em Nova York, onde vivo, também não saímos muito do nosso universo. Mas todos nos preocupamos com o que ocorre na nossa casa. Um hóspede que queima nosso tapete, ou nosso sofá, vira indesejável. Inesquecível. O filme é sobre isso – o que está ocorrendo com a Terra.”

Mas a coisa não surgiu assim tão simples. Jennifer Lawrence e o marido – o poeta Javier Bardem – habitam essa casa que ela está reconstruindo. A casa fica no meio de um parque, mas não importam os acessos. Tudo se passa lá dentro, e na cabeça de Jennifer. Ela não tem nome, nem Bardem, nem os primeiros hóspedes indesejáveis – Ed Harris e Michelle Pfeiffer. Mas, curioso, os créditos finais dão nome a essas figuras.

“Esclarecem quem são dentro da dimensão alegórica que o filme tem.” Jennifer e Bardem isolaram-se para que ele possa voltar a escrever. Talvez fosse melhor, a partir daqui, o leitor dar um tempo e só retomar o texto depois de ver o filme. Há risco de spoiler.

Os primeiros invasores da casa – da Terra – são Adão e Eva. Trazem os filhos, e você sabe que, biblicamente, Caim matou Abel. Nesse primeiro movimento, a casa é profanada. Num segundo movimento, forma-se a Sagrada Família, mas o interregno é breve. Sobrevém o apocalipse. Aronofsky assume a dimensão bíblica. “O filme divide-se em partes. O Velho Testamento, o Novo, que começa com o nascimento e termina com a Paixão de Cristo. E, fechando, a revelação.” Meio pretensioso, não? Como artista, não cabe a ele avaliar o próprio trabalho. Inclusive, é duro com o poeta dentro do filme. O personagem de Javier Bardem revela-se monstruoso. Tudo sacrifica por sua criação. No roteiro, era muito mais ‘mean’ – vil, maldoso, cruel. “Tenho de admitir que assim como Jennifer, que entendeu o amor que essa mulher carrega, Javier trouxe muita humanidade ao personagem.”

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Para além da dimensão bíblica, Aronofsky define seu filme – “É sobre como somos insaciáveis.” A mulher, como a Terra – a interpretação ambientalista -, “dá tudo o que tem, até não ter mais nada para dar”. Mas não é um filme de gênero. Subverte todos – nem épico bíblico (como Noé, que foi fracasso nos EUA e fez grande sucesso no Brasil), nem thriller psicológico, muito menos terror. Mãe! não está sendo páreo para It – A Coisa nos cinemas norte-americanos. Também não é sobre a era (Donald) Trump, por mais que a expresse. “Escrevi essa história em 2015, ainda sob (Barack) Obama. Não creio que seja sobre isso, nem sobre o fundamentalismo religioso. Mas o filme reflete, sim, como as coisas pioraram.” Isso explica a dificuldade de Mãe! achar seu público? “Talvez, mas não sou pessimista. Dentro de Mãe! ainda existe esperança.” Para a Terra. Para a humanidade.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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