Argentina registra ao menos 20 feridos e mais de 100 detidos em confrontos

Nicolas SUAREZ / AFP
O fotojornalista Pablo Grillo foi um dos feridos Foto: Nicolas SUAREZ / AFP

Uma manifestação semanal de aposentados, apoiada nesta quarta-feira (12) por torcedores de futebol e organizações sociais na Argentina, resultou em intensos confrontos com a polícia, que deixaram pelo menos 20 feridos, um deles em estado grave, e mais de 100 detidos, informou o governo de Buenos Aires.

Os manifestantes, muitos vestindo camisetas e carregando bandeiras de cerca de trinta clubes de futebol, protagonizaram os confrontos nos arredores do Congresso e na icônica Praça de Maio, onde fica a Casa Rosada, entoando gritos como “Milei, lixo, você é a ditadura!”

O ferido em estado grave é um jornalista identificado como Pablo Grillo, que foi atingido por um projétil enquanto fotografava, de acordo com um vídeo que circula nas redes sociais.

Seu pai, Fabián Grillo, responsabilizou o presidente Javier Milei e a ministra de Segurança Patricia Bullrich, e disse que eles “mandam matar” e, por isso, a vida de seu filho “corre perigo”, em um vídeo difundido na imprensa argentina.

Um carro de patrulha e uma moto policial foram incendiados e mais de 100 pessoas foram detidas, segundo informações da polícia. Em coro, os manifestantes também cantavam “Que se vão todos!”, enquanto alguns atiravam pedras arrancadas das calçadas, fogos de artifícios e bombas de efeito moral. A polícia, por sua vez, tentava retomar o controle das ruas com caminhões hidrantes, gás de pimenta e balas de borracha.

Os distúrbios começaram no meio da tarde, quando os manifestantes, convocados também por organizações sociais e sindicais, desafiaram os bloqueios policiais que tentavam desocupar as vias em frente ao Congresso.

Na noite desta quarta, uma vez finalizados os incidentes no Congresso e na Praça de Maio, houve panelaços em diferentes pontos da cidade, com pessoas bloqueando as ruas e cantando músicas contra Milei e Bullrich.

‘Agenda’

Há anos, toda quarta-feira, os aposentados se mobilizam, geralmente de poucas dezenas de pessoas, em protesto contra a degradação de seu poder aquisitivo, especialmente após a queda brutal de seus benefícios nos primeiros meses da presidência de Milei.

Nos últimos meses, esses protestos semanais têm sido reprimidos pela polícia, com gás lacrimogêneo sendo lançado contra os idosos.

As imagens de um aposentado vestindo a camisa do Chacarita Juniors sendo atingido pelo gás da polícia em uma das marchas despertaram indignação e levaram um grupo de torcedores do clube a comparecerem na semana passada em apoio aos manifestantes.

Desde então, viralizou um vídeo de Diego Maradona no qual ele afirma: “Tem que ser muito covarde para não defender os aposentados.” O astro do futebol disse essa frase em 1992, e suas palavras agora se tornaram um lema entre os torcedores que aderiram aos protestos.

“Isso que começou com um grupo de torcedores do Chacarita possibilitou colocar na agenda um tema que não estava sendo debatido, que é a situação dos aposentados”, afirmou à AFP Iván Schuliaquer, cientista político da Universidade Nacional de San Martín.

O sociólogo Jorge Elbaum concordou: “Em anos anteriores, não havia repressões tão violentas contra os aposentados como as que vimos nas últimas semanas, e isso gerou uma reação da sociedade, que assiste atônita enquanto idosos são atingidos com gás lacrimogêneo”, declarou à AFP.

Entre os manifestantes também havia torcedores de clubes como River Plate, Boca Juniors, Racing e Independiente, entre outros.

Em ‘defesa de nossos avós’

A convocação se espalhou rapidamente entre as chamadas “peñas” dos clubes, espaços sociais onde os torcedores se reúnem também para debater.

“Nos expulsaram da Praça do Congresso e estamos indo para a Praça de Maio em defesa de nossos avós”, comentou à AFP Patricia Mendía, de 60 anos, enquanto a marcha seguia até a emblemática praça onde está localizada a Casa Rosada (sede do governo), com o lema “A pátria não se vende”.

Mendía estava vestindo a camiseta do clube Quilmes e acompanhada de sua mãe de 84 anos. “Temos que nos unir e sair às ruas para defender nossos direitos e nossa soberania”, acrescentou.

Grupos de manifestantes cantaram para a polícia: “Se tocarem nos velhos, vai ter confusão!”, e “que feio deve ser bater em um aposentado para poder comer”.

A ministra Bullrich, por sua vez, destacou a operação, dizendo que as pessoas que se aproximaram da manifestação “vieram preparadas para matar” e acrescentou que, “certamente, muitas delas tinham antecedentes criminais”.

A política de Milei de liberar os preços dobrou em um ano o valor dos medicamentos e as tarifas dos serviços essenciais.

Quase 60% dos aposentados recebem o benefício mínimo, equivalente a cerca de 340 dólares (R$ 1.980). O governo congelou no ano passado um bônus de reforço que esse grupo de aposentados recebe, equivalente a 70 dólares (R$ 408).

“Acredito que o povo está acordando, após tudo o que esse governo maldito está fazendo”, disse Cristina Delgado, de 85 anos e que recebe uma aposentadoria mínima.

“É muito injusto porque temos o direito à manifestação, os jovens e nós que viemos nos manifestar a vida toda. Eu passei por quatro ditaduras, mas isso aqui é pior, porque é na democracia.”