A Argentina começou a escolher neste domingo (26) parte dos membros do Congresso em um clima de instabilidade cambial que põe à prova o programa ultraliberal do presidente Javier Milei, amparado por um inédito resgate financeiro dos Estados Unidos.
As eleições vão determinar se Milei conseguirá as cadeiras necessárias para sustentar seus decretos e impulsionar as reformas que marcarão a segunda metade de seu mandato. A votação começou às 8h locais (mesmo horário em Brasília) e se encerrará às 18h locais. Três horas depois, serão divulgados os primeiros resultados.
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Um bom número “é o que me permita conseguir o terço para defender as medidas do governo”, disse o presidente durante a campanha.
Vestindo sua clássica jaqueta de couro e de bom humor, Milei votou antes do meio-dia, cumprimentou quase uma centena de apoiadores que o aguardavam na porta do centro de votação em Buenos Aires e saiu sem fazer declarações.
Seu partido, A Liberdade Avança (LLA, na sigla em espanhol), precisa de aliados para enfrentar a oposição peronista.
Independentemente do resultado, o LLA ganhará cadeiras: atualmente, tem apenas 37 dos 257 deputados e seis dos 72 senadores, e não renova nenhum assento nesta eleição.
Se o resultado for decidido por margens estreitas, a segunda-feira pode abrir uma disputa de interpretações. “Não é tão fácil que os dados agregados permitam ler a eleição de um modo unívoco”, disse à AFP o cientista político Gabriel Vommaro.
Cerca de 36 milhões de eleitores renovarão metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado nos 24 distritos do país.
O voto é obrigatório entre os 18 e 70 anos e facultativo a partir dos 16, embora a participação esteja abaixo de 70%.
“Sem Congresso não se pode governar”, disse à AFP Adriana Cotoneo, uma aposentada de 69 anos que votou em Buenos Aires a favor do governo “não porque ache que seja a melhor opção, mas porque sei bem quem não quero que esteja”, em referência ao peronismo.
Apesar disso, ela também criticou o presidente. “Tenho esperança de que ele reflita sobre os modos (…) Às vezes deveria deixar o ego de lado”, opinou.
Em outro ponto de Buenos Aires, Mariana Menéndez, de 54 anos, votou com angústia após a demissão de 200 dos 600 funcionários do hospital onde trabalha. “A única coisa que este governo fez foi dar maiores benefícios aos grupos de poder, à gente trabalhadora nada”, disse à AFP.
Turbulências
Milei chega às urnas sob pressão política e financeira.
Ele reduziu drasticamente a inflação, mas ao custo de dezenas de milhares de empregos, da queda do consumo e do colapso da indústria.
Também cortou aposentadorias e os orçamentos da saúde e da educação, o que provocou protestos maciços, reprimidos com mão de ferro.
“O plano econômico não está funcionando para as pessoas, para as empresas, para a indústria”, resumiu o senador opositor Martín Lousteau (Ciudadanos Unidos), após votar em Buenos Aires. “Precisamos de um Congresso melhor, menos polarizado, com menos gritos, insultos e mais capacidade de diálogo”, acrescentou.
O presidente conseguiu aprovar reformas com apoio opositor em 2024, mas este ano o Congresso reverteu vários vetos.
Seus choques com governadores se intensificaram e, após uma derrota na província de Buenos Aires, a mais populosa do país, em 7 de setembro, desencadeou-se uma corrida cambial que desvalorizou o peso em 8%.
Somam-se a isso a investigação judicial sobre uma suposta criptofraude que o envolve, acusações de corrupção contra sua irmã Karina Milei e a retirada de um candidato-chave do LLA por supostos vínculos com o narcotráfico.
Vietnã
Milei recebeu um bilionário auxílio dos Estados Unidos, que conteve parcialmente a corrida cambial.
Seu aliado Donald Trump prometeu até 40 bilhões de dólares (cerca de R$ 215,2 bilhões) e o Tesouro americano interveio no mercado cambial para apoiar o peso.
No entanto, Trump condicionou sua ajuda a uma vitória de Milei nas legislativas.
“É preciso votar com tranquilidade e sem medo porque nada vai acontecer amanhã”, disse o candidato a deputado por Córdoba, ex-governador dessa província, Juan Schiaretti, ao dissipar temores sobre um agravamento da crise financeira caso o governo perca.
“Se perder, vai refletir e corrigir erros. Espero isso porque as pessoas estão passando por dificuldades”, disse após votar.
Economistas argentinos alertam que Washington sofrer um “Vietnã financeiro”.
Para Mauricio Monge, economista para a América Latina na Oxford Economics, o auxílio americano “não é suficiente para neutralizar a crescente probabilidade de que os resultados eleitorais impeçam novas reformas”.