03/04/2018 - 9:22
Construída há 20 anos sobre uma colina rochosa na região de Mzab, no norte do Saara, Ksar Tafilelt é a primeira cidade “eco-cidadão” da Argélia, vanguardista e, ao mesmo tempo, herdeira de princípios seculares.
Às portas do Saara argelino, 600 km ao sul de Argel, esta cidade de 6.000 habitantes tem vista para Beni Isguen, o ksar (cidade fortificada) mais conhecido do Vale de M’Zab, povoados rodeados de muralhas antigas do norte da África em uma região árida inscrita na lista do Patrimônio da Humanidade da Unesco.
Entra-se por uma imensa porta de madeira que dá para um labirinto de ruelas estreitas que fornecem sombra no verão e protegem dos ventos de areia.
Em Ksar Tafilelt, “ninguém deve ocultar seu vizinho sol” e a luz, explica o fundador da cidade, Ahmed Nouh, doutor em farmácia aposentado. Por isso nenhum edifício de telhado plano ultrapassa 7,6 metros de altura, ou seja, um andar.
A cidade foi erguida adaptando os princípios da arquitetura Ksar às comodidades modernas, e conta com cerca de 1.000 casas compactas e de térreo, tons ocres e linhas brancas.
Os ksour já se adaptavam às altas temperaturas do clima saariano e a um entorno escasso em recursos. Há séculos que cumprem os critérios modernos da eco-construção: harmonia com o meio ambiente, construções sustentáveis e gestão da energia, água e resíduos, assim como o uso de materiais de isolamento acústico e até térmico, que fornecem frescor no verão e calor no inverno.
A ideia de uma urbe “eco-cidadã” na Argélia surgiu nos anos 1990 como alternativa às cidades-dormitório de concreto que são construídas neste país que enfrenta uma crise de habitação crônica.
O objetivo era aproveitar a arquitetura tradicional e os valores ancestrais mozabites (um povo berbere) para conceber uma cidade capaz de oferecer residências acessíveis e de preservar o ecossistema frágil dos palmerais e os oásis próximos.
Aqui “o ancestral convive com o moderno para conseguir uma cidade ecologicamente viável”, resume Ahmed Nouh.
– Touiza e crédito com 0% de juros –
O projeto foi lançado em 1997. Junto com intelectuais, arquitetos e cientistas mozabites, Ahmed Nouh criou uma fundação que exerceu de promotora e de organismo de crédito (gratuito) para os futuros proprietários.
Por uma quantidade módica, a Fundação Amidoul comprou do Estado uma colina rochosa de 22 hectares.
Personalidades mozabites forneceram os primeiros fundos, o Estado argelino apoiou o projeto e os futuros residentes participaram na concepção e nas obras em virtude da “touiza”, um sistema tradicional de solidariedade e ajuda mútua.
“Era preciso imaginar, em 1997, viver em uma região árida, sobre uma montanha vermelha (…) Era preciso apostar e apostamos”, conta Zergoune El Bakir, de 54 anos, um dos primeiros habitantes desta cidade concebida do zero.
A eco-sustentabilidade está no coração do conceito de Ksar Tafilelt.
Preferiu-se pedra, gesso e cal ao concreto, que desfigura os arredores do palmeiral de Beni Igsen, de dez séculos de antiguidade. Foram escolhidos porque são materiais disponíveis localmente, mais baratos e excelentes isolantes fônicos e térmicos.
Os moucharabieh (ou mashrabiya, rótulas de madeira) nas janelas protegem a intimidade do lar ao mesmo tempo em que ventilam e refrescam os quartos. No verão, quando o termômetro sobe até 45 graus, abaixa em 5 graus a temperatura no interior da casa.
– Um mundo melhor? –
Quase metade das águas residuais são tratadas com um procedimento de depuração biológico, parte da iluminação pública provém da energia solar e os habitantes separam os resíduos. Ksar Tafilelt quer ser um modelo de civismo.
No coração do projeto está a volta aos valores ancestrais de ajuda mútua e de solidariedade próprios do rito ibadita (corrente ultraminoritária do islã, presente sobretudo em Omã) seguido pelos mozabites. Valores essenciais para a sobrevivência de sua sociedade em um entorno hostil: o trabalho na touiza é um dever e a solidariedade, uma obrigação religiosa.
Em Ksar Tafilelt se vive de acordo com um código que impõe normas de vizinhança, trabalhos coletivos e limpeza. “A vida é regida por um regulamento que os moradores devem assinar”, explica Ahmed Nouh.
Por exemplo, cada família se ocupa durante uma semana da limpeza de seu bairro.
– Nada novo –
Os habitantes desta cidade de fácil acesso e com uma escola, a apenas alguns minutos de Beni Isguen, são essencialmente homens solteiros ou casais.
A sociedade mozabite é puritana e conservadora. As mulheres solteiras não podem ser proprietárias, a não ser que cuidem de familiares, e as viúvas e divorciadas apenas se forem responsáveis por crianças.
Do outro lado da muralha que circunda a cidade, estende-se um “eco-parque”, versão moderna do palmeiral vizinho que, historicamente, garantiu o sustento dos habitantes da região.
Cada morador deve plantar três árvores e cuidar delas segundo as normas de cultivo ecológico: sem adubos químicos nem pesticidas.
O lugar também conta com um parque de animais, com cabras, ovelhas e macacos alimentados em parte com os resíduos orgânicos. Sua vocação: sensibilizar as jovens gerações sobre a ecologia.
“Não inventamos nada”, explica Seddik Karim, membro da Fundação Amidoul. “Não fazemos mais que perpetuar a visão de nossos ancestrais, proteger a natureza e respeitar seus direitos”.