Estou sentado no saguão do aeroporto de Guarulhos, preparado para uma hora de espera do meu vôo.

Escolhi um lugar perto das grandes janelas voltadas para o pátio.

Gosto de assistir os enormes aviões manobrando, as esteiras retirando as bagagens, o catering chegando e passageiros desembarcando.

O aeroporto está cheio, talvez pela proximidade do dia das mães. Talvez apenas porque é São Paulo mesmo.
Faz tempo que não viajo. Muito tempo. Na minha vida adulta não me lembro de ficar tanto tempo sem uma única viagenzinha.

Só de pandemia foram praticamente dois anos em que tirei essa possibilidade do radar.

Mas agora estou aqui, viajando sozinho, do jeito que eu gosto, com os fones enfiados no ouvido, olhando sem disfarçar para meus companheiros viajantes e inventando uma história para cada um.

É nessa hora que, meio de rabo de olho, vejo uma figura conhecida.

Levo uns 10 segundos para identificar de onde o conheço.

É da série em que a TV a cabo mostra a rotina da polícia federal aqui em Guarulhos.

Não sei seu nome e não vou fingir que sei dando um Google agora.

Mas é um dos personagens mais divertidos. Um sujeito grandão, acima do peso, com a camisa sempre no limite de sair de dentro da calça.

No seriado dá para perceber que ele é implacável. Fera. Fala duas ou três línguas além do português e não cai em conto de vigário algum.

Pesquisa os passageiros de cada voo num programa de computador que entrega quais devem ser averiguados. Aqueles que ficaram muito pouco tempo em seus destinos. Os que fizeram uma rota suspeita como Colômbia – Brasil – Nigéria.

Sim, descobri graças a este policial que Nigéria é uma conexão importante na rota da cocaína. É fera ele.

Também aprendi que Madrid é importante na rota da metanfetamina.

Num dos episódios, explica que a cocaína mais sai do que entra em Guarulhos. Enquanto a metanfetamina é justo
o contrário.

Mas não é só de drogas que vive a rotina desse abnegado.

O computador delata ao policial outros suspeitos de crimes e contravenções.

Uma mulher entra com mais de 40 relógios? Ele pega.

Um sujeito traz comidas africanas de origem suspeita? Ele pega.

Araras dentro de tubos de cartolina? Ele pega.

É fera ele.

Ele e o computador, que transforma uma escolha randômica de passageiros, numa ciência exata.

De volta a minha espera do embarque, me pego acompanhando o caminho do policial gordinho com um sorriso no rosto, como se estivesse vendo um ator famoso.

Ainda bem que ele não me viu.

Certeza que ia querer revirar minha mala.

— Tá rindo de que, cidadão? – imaginei como seria o flagrante.

Então me dou conta que essa gente mete medo, por mais divertido que seja o programa.

E foi justo essa equipe que pegou as joias que nosso ex-presidente tentou surrupiar.

Joias das quais tanto se falou. Joias mais caras do que um triplex na praia, por exemplo.

Tanto se falou das ações do presidiário Mauro Cid para liberá-las, mas ninguém mencionou como chegaram até elas, não é mesmo?

Talvez seja ingenuidade, mas imaginava que quando o presidente e sua trupe aterriza em Guarulhos, o tal computador não apita. É o presidente, afinal.

Sinceramente imaginava que a comitiva do homem teria algum privilégio.

Que nada. O gordinho é fera.

Então, sentado aqui no saguão, com tanta gente para lá e para cá, com o computador imprimindo listas de suspeitos, não parece esquisito pararem o ajudante de ordens do presidente e encontrarem em suas coisas um colar de 16 milhões?

Tem outra: por mais ricos que sejam esses árabes, quando foi que regalaram um presente desse valor para outro chefe e Estado?

Dúvida cruel. É que chamaram meu voo. Senão eu corria atrás do gordinho para conseguir algumas respostas. Que ele não daria, óbvio.

Afinal, ele é fera.