Consigo entender quem critica a Lava Jato por acreditar que os procuradores da operação se excederam, usaram práticas heterodoxas, vestiram a armadura brilhante dos justiceiros e dos salvadores da pátria.

Não consigo entender de jeito nenhum os críticos imaginarem que a melhor solução para evitar abusos do Ministério Público Federal é submeter forças tarefa como a da Lava Jato ao controle do Procurador Geral da República. É isso o que deseja o PGR Augusto Aras: criar um órgão central de investigações subordinado ao seu escritório.

Já falei disto aqui: a Constituição de 1988, pela primeira vez na história brasileira, desvinculou o MP do poder executivo, para que ele não ficasse sujeitado à influência político. Agora querem que os procuradores que investigam corrupção – justamente esses! – sejam comandados pelo único membro de toda a instituição que é indicado pelo Presidente da República e, portanto, está de alguma forma vinculado ao chefão da hora. Isso seria um retrocesso. Recuso-me a acreditar que não exista solução mais razoável.

Não sou especialista em Ministério Público. Mas acho que entendi direito como funcionam as Câmaras de Coordenação e Revisão (CCR) do MPF. A função desses órgãos, vejam só, é coordenar, integrar e revisar o exercício funcional dos procuradores e, especialmente, das forças tarefa. As câmaras são temáticas; a quinta cuida dos crimes de corrupção.

Isso significa que já existe uma estrutura no MPF com papel quase idêntico ao da geringonça que Augusto Aras quer criar. A única diferença é que o PGR não reina nas câmaras, pois indica apenas um dos três integrantes de cada uma. Será por isso que, em vez de fortalecer o já existente, Aras prefere inventar algo inteiramente novo?

Em abstrato, dar ao procurador geral da República o poder de meter o bedelho em todas as investigações sobre corrupção que acontecem no Brasil já seria muito ruim. Quando o PGR, concretamente, se chama Augusto Aras e foi indicado por Jair Bolsonaro, a coisa é assustadora.

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O maior estelionato eleitoral de Bolsonaro foi dizer que seu governo seria implacável com a corrupção política. Desde de que entrou no governo, ele parou de defender a prisão em segunda instância, aceitou tirar da estrutura do Ministério da Justiça o Coaf, que analisa movimentações financeiras suspeitas, e procurou influir sobre a PF, o que levou Sérgio Moro a sair do governo.

Ele também se manteve em silêncio absoluto em meio ao tiroteio sobre a Lava Jato. Não disse uma palavra, sequer para relativizar as críticas à operação que ele tanto louvou na campanha eleitoral, e que atualmente são feitas da maneira mais contundente por Aras.

Bolsonaro parou de falar sobre corrupção porque tem telhado de vidro: seus filhos Flávio e Eduardo estão enrolados com acusações de desviar dinheiro público em benefício próprio. O caso de Flávio é o das célebres rachadinhas, o de Eduardo envolve sobretudo dinheiro do fundo partidário e é relatado em detalhes pela IstoÉ desta semana. Não é corrupção bilionária. Se for comprovada, é corrupção rastaquera, mas igualmente repugnante.

Bolsonaro não se contrapõe a Aras porque provavelmente nunca foi tão apaixonado assim pela Lava Jato, mas principalmente porque isso lhe é conveniente. É uma forma de agradar parlamentares enrolados, especialmente do Centrão, que podem ajudá-lo a aprovar projetos e, mais importante, barrar um processo de impeachment.

Imagine agora que o procurador geral se torne senhor de uma pilha de dados potencialmente comprometedores sobre o mundo da política. O histórico de Aras em relação a Bolsonaro é ambíguo: às vezes ele se mostra dócil, às vezes deixa passar algo que não interessa ao presidente, como o inquérito das fake news.

Será que o PGR seria absolutamente inflexível, totalmente infenso a compartilhar informações que dessem ao Palácio do Planalto a chance de “negociar” com seus aliados e adversários políticos? Prefiro não responder essa pergunta. Prefiro que o dilema não exista.

Augusto Aras não pode supervisionar todas as investigações sobre corrupção do país. Se o objetivo é controlar melhor o trabalho do MPF, que se encontre outra solução.


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