Ser um fotógrafo de natureza é ter de lidar com sentimentos os mais variados. Se maravilhar com as belezas que estão a sua frente, mas também é preciso tirar de dentro de si força para encarar os estragos que o homem faz ao meio ambiente. Há 50 anos, quando deu início a sua trajetória profissional, Araquém Alcântara enfrenta esses dilemas. A partir do momento em que decidiu se dedicar a registrar esse mundo de florestas e parques, ele se transformou em um poeta do olhar.

Começando a arrumar as malas para outra viagem à Amazônia, que renderá imagens para compor um novo livro, Araquém falou com o Estadão, por telefone. Do alto de seus 69 anos de vida, o fotógrafo conta que está isolado há 150 dias por causa da pandemia, e se mostra radiante com a atual fase de sua carreira, com o reconhecimento internacional valorizando ainda mais seu trabalho. Mas, em meio a esse momento positivo, o fotógrafo também revela sua indignação com o que está acontecendo com a natureza. “Um amigo meu, (o artista plástico) Frans Krajcberg, falava: ‘Será que não estão percebendo, isso é um holocausto’. E agora, além do que ele constatava, temos ainda esse genocídio intencional contra povos indígenas, os quilombolas, pois estão querendo liberar todo o garimpo. É ganância, é intencional”, afirma de forma enfática o fotógrafo, mostrando o que sente sobre o que vem acontecendo com o meio ambiente.

Araquém conta que ir à Amazônia é um hábito que costuma manter com viagens anuais para a região. A cada estada no local, a visão que se apresenta é cada vez mais assombrosa, mas ele não quer perder a esperança, acha que ainda podemos conseguir uma solução para isso.

“O (antropólogo) Darcy Ribeiro já tinha dito isso, ou seja, só o engajamento da sociedade pode salvar a Amazônia, que hoje está em agonia, chegando a ponto de savanização. Isso não pode continuar, pois, se seguir assim, não vai mais produzir aquelas árvores generosas, nem a chuva será da mesma forma, o que afetará a agricultura, o clima da América do Sul. Sem flores não há futuro saudável”, sentencia. Mas também se mostra otimista, vendo que até os empresários, que não pensavam nisso, estão querendo a sustentabilidade em primeiro lugar. Assim, acredita que a situação ainda pode reverter, mas que é necessária uma mudança de pensamento das autoridades e de atitudes concretas para tornar isso possível.

Um dos nomes mais emblemáticos da fotografia da natureza, Araquém Alcântara começou sua trajetória em 1970, quando “ecologia era uma palavra para letrados”, como ele diz. Nascido em Florianópolis, o fotógrafo passou um bom tempo morando em Santos, cidade do Litoral Sul de São Paulo, onde começou sua paixão pela fotografia e teve como seus primeiros modelos os urubus. No cais, também passou a registrar as prostitutas que trabalhavam por ali. Mas o seu caminho começaria a tomar outro rumo quando foi levado a registrar os fatos que se apresentavam. “Logo teve Cubatão, as crianças sem cérebro e o rico vale da morte, meu modelo de universo era esse inferno todo”, conta.

Araquém diz que seu trabalho revela duas vertentes: “Um posicionamento político e uma visão poética”. Conta que sempre foi um cara invocado, que remava contra a maré. “Eu era o cara que saía andando com a câmera na mão e, até hoje, minha fotografia é feita andando”, revela. Para ele, a forma que escolheu para conseguir captar o espírito de um povo, o caráter de um povo, como diz, foi a de se transformar nesse fotógrafo viajante.

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“Eu tenho 500 mil imagens, mas acho que, dessas, 50 mil de alto nível”, conta Araquém, afirmando que o trabalho do fotógrafo da natureza é assim mesmo. “Você descarta 90% das suas fotos, mas com os 10% restantes corrige tudo”, adverte Araquém. Com tantos anos de profissão, entre muitas imagens captadas por todos os cantos do Brasil, destaca duas que são marcos em fases diferentes de sua carreira.

A primeira, feita 50 anos atrás, é a que traz seu pai segurando uma foto com ossos humanos, que foi feita para simbolizar a luta contra a construção de usinas na região de Iguape. Para o fotógrafo, o sentido da imagem foi dizer: “Olha, somos pessoas humildes, mas sabemos o que querem fazer”, e funcionou. A segunda, uma fotografia que tem rodado o mundo, captada no ano passado, traz a imagem de um tamanduá-mirim cego fugindo de uma queimada na Amazônia. “Essa foto reflete meu sentimento de revolta pelo que vem acontecendo”, afirma Araquém. Ele conta que estava na BR Cuiabá-Santarém e de longe avistou o animal saindo da mata, que ainda queimava. “Eu pulei a cerca e vi um bicho saindo da queimada. Quando ele sentiu eu me aproximar, tentou se defender abrindo os braços, essa é uma atitude de defesa dos tamanduás. Trata-se de um crime inominável. Essas são imagens muito fortes na minha vida.”

Dessa estada na Amazônia, entre tantas outras da sua longa trajetória, Araquém lembra que foi um momento terrível. “Minha viagem foi logo após aquela escuridão em São Paulo”, conta. “Em seguida fui para lá, fiquei dias voando em um Cessna com a porta tirada, a coluna virou um ‘S’, e fotografando com o vento batendo forte no meu rosto”, diz o fotógrafo, que mostra ter sido dessa forma que passou a conhecer em detalhes a região. “Eu já entendo todo o caminho do garimpo que, primeiro, abre um trechinho na mata até a beira do rio, depois expande até algum afluente”, revela. E ainda se comove quando fala sobre a cor verde que surge na água. “É a cor do garimpo, da morte. Como podemos permitir a entrada de garimpeiros na floresta?”

Premiado internacionalmente, o fotógrafo brasileiro tem 55 livros lançados, sempre com a temática da natureza, enfatizando o Brasil e o sertão. As imagens que vão ser captadas nesta nova viagem à Amazônia serão expostas em uma feira em Frankfurt, na Alemanha, no ano que vem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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