A incapacidade dos 195 países comprometidos em reduzir as emissões dos gases de efeito estufa até 2020 ameaça cada vez mais a humanidade com secas, enchentes, poluição, elevação dos mares, tempestades, incêndios florestais, extinção de espécies e consequentes crises humanitárias. E não há o menor indício de que as causas do desastre desacelerem nos próximos anos. É o que indica o alarmante relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que apontou um aumento recorde em 2018 na concentração de dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O) e metano (CH4) na atmosfera. Se comparado com os registros do início da era industrial, na segunda metade do século XVIII, a presença de dióxido de carbono está 147% mais elevada. De difícil dissipação, esse gás pode durar séculos, caso não seja reabsorvido por florestas, solos e oceanos. O metano e óxido nitroso também aumentaram suas presenças acima das médias anuais. O metano é um composto mais potente que o CO2, mas se dissipa com maior rapidez. Já o óxido nitroso afeta a camada de ozônio, que filtra os raios ultravioletas. É uma cadeia nociva praticamente irrefreável criada, principalmente, por atividades industriais, pecuária em larga escala, queima de florestas e emprego de combustíveis fósseis.

A divulgação do relatório alarmou os pesquisadores às vésperas da conferência anual sobre mudança climática, que começa em Madri, Espanha, na terça-feira 3, que analisará os resultados — ruins — das iniciativas do Acordo Climático de Paris.

Mas no que isso afeta a vida cotidiana do cidadão comum? Em praticamente tudo, a começar por sua geladeira e seu bolso. A instabilidade no clima provoca altas e baixas mais acentuadas e repentinas das temperaturas, pois com o aquecimento há mais umidade no ar e, portanto, mais energia nos ventos e chuvas. É uma cadeia de eventos meteorológicos ampla e pouco perceptível aos desatentos e ecocéticos. Muito calor ou frio afetam as colheitas e pastagens, provocando quebras ou aumentos nas safras, fazendo oscilar o preço dos alimentos e, muito pior, atingindo a oferta de água para o abastecimento de grandes cidades. Se hoje cerca de 70% da água doce consumida vai para agricultura, com secas esse índice acaba aumentando.

É diante destes riscos que vem a urgência da comunidade científica em refrear as emissões. “A última vez que a Terra registrou uma concentração de CO2 comparável foi entre 3 e 5 milhões de anos atrás. Na época, a temperatura era 2ºC ou 3ºC mais quente e o nível do mar era entre 10 e 20 metros superior ao atual”, afirmou Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM). A explicação de Taalas deveria fazer algum sentido aos negacionistas climáticos, como os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, se eles reconhecessem que o aumento do nível do mar, no atual ritmo, afetará 300 milhões de pessoas até 2050. Se o aumento média global for superior a 1,5ºC até 2100, até 480 milhões de pessoas poderão perder suas casas e sustentos, estimam climatólogos.

Florestas

AMAZÔNIA Manter a floresta intacta pode ser mais lucrativo do que apenas queimá-la (Crédito:AFP)

Com China, Estados Unidos, União Europeia e Índia responsáveis por 56% das emissões, o relatório aponta um fracasso fragoroso das iniciativas de contenção do aquecimento global. O documento alerta que os países signatários do Acordo de Paris precisam multiplicar por cinco seus esforços a fim de manter a elevação média da temperatura abaixo de 1,5ºC, no comparativo aos níveis pré-industriais. Autor de “A terra inabitável — Uma história do futuro”, David Wallace-Wells afirma que se as empresas e atividades que compõem os 10% que mais poluem reduzirem seus níveis para a média dos países da União Europeia — a terceira do ranking, com 9% do total —, haveria uma queda de 35% nas emissões. Para tanto seriam necessárias políticas públicas. “Consumir orgânicos é ótimo, mas para salvar o clima o voto é mais importante”, diz.

E qual o papel do Brasil nesse cenário cada vez mais preocupante? Wallace-Wells é um crítico do atual governo brasileiro, já que, apesar de o País ser responsável por 3,6% das emissões, a devastação da floresta amazônica (e da África e da Ásia também) por queimadas e desmatamentos impede a reabsorção do dióxido de carbono. Ou seja, podemos não poluir tanto, mas aumentamos o desastre ao descuidarmos da floresta. As cientistas americanas Deborah Lawrence e Karen Vandecar estudaram os efeitos do desmatamento tropical. Elas afirmam que se a Amazônia perder 40% de sua área (hoje em 20%), a redução das chuvas será sentida até na bacia do Rio da Prata, mais de 3 mil quilômetros ao sul, criando uma catástrofe climática continental.

As árvores da Amazônia ficam com um quarto de todo o carbono absorvido pelas florestas. Mas Jair Bolsonaro prometeu abrir a selva para o desenvolvimento. Quanto estrago uma só pessoa consegue causar? David Wallace-Wells, em seu livro “A terra inabitável” (Crédito:Divulgação)

No atual ritmo, entre 2021 e 2030, o desflorestamento da Amazônia pode liberar na atmosfera, por ano, o equivalente a 28% dos gases lançados pelos EUA no mesmo período. Só que o extrativismo predatório brasileiro não faz sentido. Com manejo sustentável, apenas 20% das florestas do mundo bastariam para abastecer toda a necessidade de madeira da humanidade, aponta o pesquisador Jared Diamond, em seu livro “Colapso”. Se a desculpa é a expansão do agronegócio, os ganhos de produtividade superam os decorrentes da ampliação da área plantada, aponta o Ministério da Agricultura. Até 2029, os brasileiros devem expandir em 10% os plantios, principalmente em pastagens e áreas degradadas, com um aproveitamento de 27%. Já um estudo da UFMG estima que manter a floresta pode gerar até US$ 737 por hectare ao ano com serviços internacionais de mitigação, extração sustentável e regulação climática. Bem mais que a média de US$ 40 por hectare com pecuária. Logo, colocar fogo no mato faz tanto sentido quando negar as evidências científicas.