11/06/2021 - 16:24
Pablo Picasso (1881-1973) foi um dos artistas mais competitivos da história da arte. Em cerca de sete décadas de trabalho, ele conseguiu manter seu nome em relevância no meio, sempre em destaque nos diversos movimentos dos quais participou. Ele era genial e um dos artistas mais irreverentes do mundo, inclusive para se auto elogiar. Dizia que estava cansado de ser moderno, pois desejava ser eterno. Com essa crença, testou uma notável variedade de estilos, trabalhou sempre num ritmo extraordinário e tinha facilidade para se destacar em novas técnicas.
Picasso dizia que os quadros vivem para quem os admira. Aproveitando esse gancho, a coluna de hoje tem como tema o Dia dos Namorados. Espero que todos os leitores sintam paz e a energia da vida ao admirar seus quadros que retratam o amor. Sem dúvida, o beijo foi um dos motivos eróticos que marcou seu trabalho. Quem procurar na Internet encontrará desenhos, gravuras, pinturas e esculturas sobre esse tema, inclusive com o mesmo nome, produzidos em 1925, 1928, 1929, 1931 e 1969. Ele focou muito em temas de amor, sempre com liberdade de criação e imprevisibilidade no traço.
Dentro deste tema, meu quadro preferido é “O Beijo”, pintado por Picasso em 1969 e cuja imagem ilustra a coluna de hoje. Trata-se de uma composição cubista que faz com que o espectador viaje por meio das curvas do casal presente na pintura. Beijar apaixonadamente, com amor, ternura e afeto é uma delícia, mas acompanhar o movimento enigmático do beijo na arte e na obra de Picasso, em especial, é uma sensação incrível, como se estivéssemos diante de uma cena única, criada para revelar sentimentos, intimidade, paixão e prazer no contato físico.
Na obra, Picasso retrata um casal se beijando tendo um fundo neutro, quase vazio. Seus rostos estão distorcidos e em destaque na tela. Os traços faciais são parecidos, como se as duas pessoas fossem uma só, mostrando um casal bem entrosado. Os olhos estão arregalados, como se eles tivessem acabado de experimentar algo ou como se acabassem de serem flagrados no meio de algo. Para mim, o homem careca com uma longa barba grisalha é o próprio Picasso que tinha praticamente quase noventa anos quando produziu a obra. Será que ele não queria com a pintura resgatar aquela emoção dos beijos calorosos que ele tanto deu durante a vida?
Alguns críticos questionam a geometria do casal, a falta de sentimento porque os olhos estão abertos e o azul escolhido para o fundo da tela transmite melancolia. Mas, me desculpem por interromper os chatos. O quadro é uma das mais belas obras do mundo e um ícone cubista, mostrando que os dois corpos estão misturados em um só e os olhos abertos representam apenas um segundo da intimidade do casal ou um sinal de que a vida é curta e que precisa ser intensamente aproveitada. Sinto como se eu estivesse entrado na cena e encontrado de repente o casal na intimidade.
Concordo que o azul é uma cor primitiva, muito usada em mantos religiosos. Mas, é também uma cor de paz, utilizada no registro do céu e dos mares para transmitir vastidão. O Beijo de Picasso é repleto de energia e espontâneo na criação, na forma e no movimento. Talvez Picasso tenha feito tantas obras sobre esse tema por ser um grande especialista no tema. Ao longo de sua vida, teve muitas mulheres e muitas amantes. Acho que foi o artista da época com maior número de parceiras. Ele sabia que a vida não é para ser imobilizada e que só valeria a pena se fosse vivida em intensidade. Até a sua morte, ele viveu e aproveitou tudo o que conseguiu. Ser feliz e viver plenamente sempre foi seu propósito.
Ao aprender a admirar uma obra de arte, qualquer pessoa certamente vai conseguir abrir seu coração e sua mente novas oportunidades. A arte, assim como a vida, segue repleta de mistérios. Picasso era um gênio porque percebia e compreendia muito bem isso. Ele nos faz enxergar até os dias de hoje o que nunca havíamos experimentado: uma cena da realidade pode, sim, ganhar outras formas.
Ao contrário do que parece num primeiro momento, a composição é bem planejada e para instigar quem observa o quadro. O Beijo de Picasso traduz a experiência da geometria na emoção. O homem barbudo tasca um beijaço em uma mulher, que parece ser pega de surpresa. Com essa energia, fica a dúvida se a vida está com vivacidade, amor e sentimentos, ou se precisa de mais energia como a que Picasso sugere em sua pintura.
Com o passar dos anos, Picasso foi incluindo em seu portfólio muitas obras que exploravam sexualidade. Acho incrível um pintor com quase noventa anos ser capaz de fazer um quadro como O Beijo. Mesmo tendo idade de um vovô, ele tinha vitalidade de um jovem. Jacqueline Roque, seu último amor, foi maquiavélica tentando isolá-lo dos amigos e de outras companhias femininas, pois ela tinha conhecimento de seu agitado passado. Com isso, tornou-se quase uma musa exclusiva e um detestável cão de guarda, do tipo que fica em alerta para não deixar ninguém chegar perto. O apelido dela em inglês seria uma ‘Stalker’.
Nos últimos anos de vida, Picasso morava na Riviera Francesa. Produzia de forma obsessiva imagens de mosqueteiros, matadores, casais retorcidos e mulheres assombradas. As gravuras desempenharam um papel importante na arte de Picasso depois de 1963, quando ele começou a testar novas técnicas. Ele produziu centenas de gravuras e desenhos no final de sua vida e o mercado os consumiu como água, fazendo com que o valor inicial US$ 2 milhões saltasse para US$ 20 milhões cada.
Esse ritmo acelerado dá a entender que Picasso buscava na arte aquela vitalidade do passado e que já não existia com o avançar da idade e com as restrições da esposa. Picasso parecia transmitir que essa era a forma dele enganar a morte, mostrando que ainda tinha muita saúde, mesmo que fosse apenas nas pincelas. Seus amigos mais próximos achavam que ele tinha perdido o controle, mas suas obras estavam cada dia mais geniais e com uma incrível explosão de energia, algo bem incomum para uma pessoa de quase noventa anos. Para quem criticava o pouco tempo que ele necessitava para fazer um quadro, ele respondia com desdém, dizendo que fazia em pouco tempo porque tinha se preparado por mais de sessenta anos para conseguir aquilo.
Como Picasso dizia, “tudo que você pode imaginar pode ser real”. Portanto, para quem ainda não encontrou sua cara-metade, seguem outros 13 beijos eternizados na arte e que também podem ser vistos em uma coluna especial que escrevi recentemente para a IstoÉ. Que os pensamentos de todos nunca tenham limites e que a arte nos inspire para mantermos nossa saúde em dia, com muita energia. A coluna de hoje é dedicada ao Giba, meu novo amor. Se tiver um tempinho, me siga no Instagram Keka Consiglio, Facebook ou Twitter.