O desaparecimento de Mario é um fantasma que assola a todas as personagens de Pequenas Certezas, texto da mexicana Bárbara Cólio que reabre o Porão do Centro Cultural São Paulo, nesta sexta, 1º. Tanta ausência cabe bem nos mais de 1 mil metros quadrados da sala Ademar Guerra, que estava interditada desde 2014, aguardando liberação de recursos para adequação a normas de segurança e a instalação de uma grelha cênica – aparato para fixação de refletores.

O convite para a direção de Fernanda D’Umbra tem relação mais que direta ao Porão. Nos anos 2000, o então curador de teatro do CCSP, Sebastião Milaré, indicou o espaço como opção para o projeto do Cemitério de Automóveis, grupo de Mário Bortolotto, do qual a diretora fazia parte. “Milaré avisou que não havia nada lá, apenas as paredes e o chão mesmo”, recorda D’Umbra. Em uma temporada de três meses, o grupo estreou 11 espetáculos. Em seguida, mais 26 peças, de terça a domingo, duas sessões diferentes por dia. “Vimos que as possibilidades do Porão eram imensas e queríamos fazer todo o possível lá. Na época, foi tudo sem apoio, com dinheiro emprestado, fazendo fiado e tudo.”

Nesse retorno, a diretora conduz a narrativa que une desafetos em torno do desaparecimento de Mario (não o Bortolotto), um sujeito que burlou assinaturas e deixou heranças para estranhos. “Trata-se de uma família abandonada, de pessoas que se apoiavam nele e agora não têm mais nada. A vastidão desse lugar aponta para o vazio encontrado em suas vidas”, explica ela. Mas nada disso significa contar uma história mal humorada e com figuras em depressão. Pelo contrário. “A autora une uma boa trama, com todos personagens interessantes, com bons diálogos, coisa rara de se encontrar em dramaturgias contemporâneas”, diz Fernanda. No fundo do Porão, as pilastras formam molduras para as muitas conversas entre as famílias interligadas por Mario. A escuridão da sala é esculpida pela luz de Aline Santini, que conecta a dramaturgia a um elemento citado na peça o tempo todo. “Eles falam muito sobre foto como registro e documento”, conta a diretora. “Seja para aliviar a memória ou para provar algo. As verdades e mentiras nunca são expostas totalmente, mas também nunca estão ocultas por inteiro. Há sempre uma luz que as delimita.”

A boa notícia de reabertura do Ademar Guerra vem acompanhada da criação de três nichos cênicos para realização de temporadas – não simultâneas – no Porão, já que o som pode vazar. No entanto, apenas o nicho de Pequenas Certezas está completo, incluindo arquibancadas, cadeiras e toda infraestrutura de luz e som. A ocasião também interdita, por enquanto, o uso do anexo Adoniran Barbosa, que recebeu peças como Cabras – Cabeças que Voam, Cabeças que Rolam (2016), A Macieira (2016) e O Corpo que O Rio Levou (2017).

PEQUENAS CERTEZAS

Centro Cultural São Paulo. Av. Vergueiro, 1.000. Telefone: 3397-4002. 5ª, 6ª, sáb., 21h, dom., 20h. R$ 20. Estreia sexta, 1ª.

Até 17/12.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.