Após quatro dias de guerra, surge um herói e um facínora

Após quatro dias de guerra, surge um herói e um facínora

Apesar de já parecer que meses se passaram, a invasão da Ucrânia pela Rússia entra em seu quarto dia recheada de incertezas e aflições. Por um lado, os dois países aceitaram conversar e propor uma solução para o conflito. De outro, a Rússia coloca suas forças nucleares em alerta. A população civil da Ucrânia, enquanto isso, recebe armas e dicas sobre como fazer um coquetel Molotov. Diferente da Guerra do Golfo, que foi chamada de “guerra ao vivo”, pois as imagens passavam nos jornais, hoje se fala em guerra “real time”, pois tudo acontece nas redes sociais. Essa instantaneidade tem um efeito colateral bastante danoso para quem toma as decisões: no caso, os governantes. Um boato, um tuíte mal escrito pode definir o destino do conflito.

Vladimir Putin calculou mal sua investida? Por que não consegue facilmente tomar o país vizinho? Está segurando uma carta poderosa na mão? Isso porque, até agora, a Ucrânia tem se saído moralmente vitoriosa do confronto. Os vídeos do presidente da Ucrânia, o ex-ator Volodymyr Zelensky nas ruas da capital Kiev, ao lado de outros representantes do governo, o transformaram em herói. Ao dizer que não abandonaria o país, mesmo com a ajuda dos Estados Unidos, mostrou uma coragem que nenhuma foto de Putin, cavalgando sem camisa, poderia oferecer. Enquanto o presidente da Rússia está no conforto do Kremlin, com aquecimento e talvez muita vodca e caviar, Zelensky está nas ruas combatendo como um autêntico guerreiro. Vladimir Putin é um criminoso de guerra, um bandido ao estilo mafioso. Envenena, manda prender sem julgamento ou pede o fim de quem se coloca em seu caminho. Não é segredo para ninguém.

Mas quem diria que Zelensky, o comediante que virou presidente da Ucrânia quase por acaso, seria uma figura que inspiraria milhões? Todos os especialistas em Relações Internacionais e geopolítica diziam que o líder ucraniano não estava à altura da tarefa. Porém, até a publicação desse texto, estava. E por mais que saia morto ou deposto, resistiu. Não abandonou seu povo em nenhum momento. Não falou “Quer que eu faça o quê? Não sou coveiro?” para uma nação aflita. Calmamente, falou a verdade. Pediu resistência. Inspirou o ocidente. Deixou a imagem de fantoche para trás.

Bolsonaro, que poderia aproveitar o momento e fazer algo útil: falar algo que mudasse, pelo menos por um segundo, a imagem do Brasil no exterior, mas não. Decidiu mais uma vez fazer a única coisa que sabe: falar besteira. Foi até a Rússia dias antes do conflito, disse que era “solidário” à nação russa, a invasora, e hoje, enquanto o mundo olha atento às telas de televisão e portais de notícias, o presidente brasileiro vai à praia. Como se o que acontecesse no hemisfério norte não lhe dissesse respeito.

Em vez de se esbaldar na praia, Bolsonaro deveria estar ao telefone com líderes mundiais, com embaixadores e também com empresários que sofrem as consequências da nova crise por falta de matérias primas. O presidente não respeita a tradição do Itamaraty em firmar ou fazer pontes em acordos de paz. Por algum tempo, alguns poucos brasileiros pensaram que Bolsonaro poderia ser “malvado, mas talvez esperto”, com alguma estratégia na manga. “Ele faz essas coisas de propósito, é uma jogada”, diziam. Nunca foi. Ao contrário de Putin, falta ao mandatário do Brasil conhecimento estratégico, aliados consistentes e bons especialistas que o aconselhem. Bolsonaro não tem nada. Absolutamente nada na cabeça. Nada ao seu redor. Ah, mas um domingo na praia, isso ele tem capacidade de organizar.