Depois de uma espera de três anos, o sul-africano Devon Muller já está apto a vestir a camisa da seleção brasileira de rúgbi. Aos 22 anos, ele é o primeiro caso de jogador convocado que não tinha nenhum vínculo com o Brasil. A convite da CBRu (Confederação Brasileira de Rugby), o atleta passou por um processo contemplado pelas regras da World Rugby e desde o dia 22 de agosto foi liberado para atuar em partidas oficiais pelo time.

“Não é fácil esperar três temporadas, treinando duro todos os dias, para poder jogar. Fiquei esse período todo me preparando. Precisei ter um lado mental muito forte, pois achava que esse dia nunca chegaria. Era como uma montanha russa de emoções. Agora estou muito feliz com a possibilidade de disputar partidas oficiais de rúgbi pelo Brasil”, conta ao Estado o atleta sul-africano.

Muller cresceu em um país que é considerado um dos mais fortes do rúgbi no mundo. Jogava na escola e queria ser profissional, mas sentia que seu nível não era bom suficiente a ponto de vestir a famosa camisa da África do Sul, dos Springboks, campeões do mundo em 1995. Aquela campanha virou filme, “Invictus”, em que retrata o trabalho e o carisma do líder Nelson Mandela em unir o país separado pelo Apartheid usando o esporte.

Muller conversou então com seu treinador e pediu indicações para jogar no exterior. “Eu tinha um treinador na escola e o Beukes Cremer jogava pelo time dele na África do Sul. Sempre falei para ele que queria jogar fora porque não me via em condições de jogar pela África do Sul. Imaginava que minhas chances no exterior seriam maiores. Ele me disse que, quando aparecesse algo, me avisaria”, conta Devon.

Foi aí que Cremer, um sul-africano que também tem passaporte brasileiro e atua pela seleção brasileira, conversou com o técnico de Devon e abriu as portas do rúgbi brasileiro para o sul-africano. Não demorou para surgir o convite que mudaria a vida do rapaz. “Parei de jogar por oito meses, voltei para a casa… Foi quando ele me ligou e disse que tinha um amigo que queria saber se eu me interessava em jogar no Brasil. Não pensei duas vezes. Cheguei e aqui estou eu”, disse ao Estado.

O processo que trouxe Devon Muller para o Brasil é contemplado dentro das regras da World Rugby. No ano passado, elas foram alteradas, mas quando a CBRu se acertou com Devon, a lei falava que, se um jogador que nunca atuou por uma seleção representativa de outro país, morar durante três anos fora, ele pode representar a seleção desse outro país. No caso do Devon, ele nunca tinha jogado pela África do Sul.

A comissão técnica da CBRu enxergou no atleta muitas qualidades. Ele até atuou pelo Brasil em partidas não oficiais, como no jogo contra os Maori All Blacks, no ano passado, e agora está pronto para jogar pela seleção principal. A entidade costuma receber ligações todos os meses de jogadores querendo atuar no Brasil, mas a ideia é trazer apenas atletas que vão somar e acrescentar ao grupo, para não minar a confiança do time. Ou seja, o único caso até agora de jogador que não tinha passaporte brasileiro é o de Devon e ele veio por oferecer um diferencial ao grupo. Foi uma questão estratégica.

“Assinei um contrato com a CBRu, que me pagava e tinha um comprometimento mútuo. Joguei vários amistosos até agora, mas estava só treinando nos últimos três anos. Fui liberado para jogar oficialmente no dia 22 de agosto. Espero que contra Portugal, em novembro, eu esteja na lista para estrear”, afirma Devon. Ele teve de ir diversas vezes na sede da Polícia Federal para regularizar sua situação no País.

No Brasil, Muller mora com Gelado (Cléber Dias Júnior) e um atleta da seleção juvenil. “Não tenho família aqui no Brasil, então essa é a minha família. Meu pai morreu quando ainda era pequeno, então esses caras me ajudam a crescer. Todos trabalham juntos pelo time”, diz Devon. O sul-africano tem duas irmãs e já trouxe sua mãe para o Brasil. “Eu falo bastante com elas. Quero trazer minhas irmãs quando puder. Minha mãe veio e me fala que dá para ver como estou feliz aqui.”

NAMORO – Essa felicidade tem uma grande parcela de contribuição de Beatriz Futuro, a Baby, experiente jogadora da seleção feminina de rúgbi. Os dois namoram e estão sempre juntos. “Eu estava aqui havia seis meses, ela tinha disputado os Jogos Olímpicos. Eu estava no NAR, ela apareceu para treinar também. O NAR é o núcleo de esporte de alto rendimento aqui em São Paulo. Lembro até hoje desse dia. Quando vi, falei ‘uau’… Deu certo. A experiência dela me ajudou bastante e me motivou muito. É uma parceira para a vida”, diz.

Além de vislumbrar sua estreia oficial com a camisa do Brasil, Devon também sonha em ajudar a seleção a conquistar a tão sonhada vaga no Mundial de Rúgbi. O Brasil nunca disputou a tradicional competição, mas a evolução dos últimos anos deixa os atletas empolgados. “Nunca dá para falar que estamos fora. Antes de vir para cá, nunca tinha visto o Brasil jogar. Nos últimos três anos, o Brasil mostrou que tem potencial. A gente está querendo essa vaga”, conclui Devon.

O Mundial de Rúgbi já está em seu momento decisivo. As quartas de final serão realizadas na madrugada deste sábado. O primeiro jogo será entre Inglaterra e Austrália, às 4h15 (horário de Brasília). Quem passar, pega na semifinal o vencedor de Nova Zelândia e Irlanda, que se enfrentam às 7h15. O torneio é disputado no Japão.

A outra semifinal será definida no domingo. É quando País de Gales duela com a França, às 4h15, e o Japão, com o apoio de sua torcida, enfrenta a África do Sul, às 7h15. As semifinais serão disputadas nos dias 26 e 27 (uma partida por dia) e no dia 2 de novembro ocorre a grande decisão do Mundial.