Dois pescadores encontrados na costa sul-coreana pedem para retornar à Coreia do Norte desde março, mas país cortou relações com o Sul e não atende as ligações, causando um limbo diplomático.Dois pescadores norte-coreanos estão há mais de dois meses tentando voltar para seu país, após o barco onde estavam ter sido resgatado por uma patrulha sul-coreana, em 7 de março. Eles alegam terem desertado acidentalmente. Ao que tudo indica, o vento e fortes correntes empurraram o barco dos pescadores para além da Linha de Limite do Norte (NLL), perto da Ilha Eocheong, no Mar Amarelo (costa oeste da Península Coreana).
Não há indícios de que os dois homens pretendiam desertar, e ambos expressaram reiteradamente seu desejo de retornar à Coreia do Norte durante interrogatório feito pelas agências militares e de inteligência sul-coreanas.
Para dezenas de norte-coreanos leais que pediram repatriação anteriormente, a viagem de volta foi mais fácil. Agora, a Coreia do Norte se recusa a atender o telefone, e o limbo diplomático que se estende é o mais longo já registrado.
"A Coreia do Norte decidiu – e declarou – que não quer ter absolutamente nenhuma comunicação com o Sul, não importa o que aconteça", disse Andrei Lankov, professor de história e relações internacionais na Universidade Kookmin de Seul.
Sem previsão de retorno
O Norte está "obviamente demonstrando seu descontentamento" com Seul e com a administração do presidente Yoon Suk Yeol, agora destituído – um conservador que conduziu uma política mais dura em relação a Pyongyang, explicou Lankov.
"Por enquanto, esses homens parecem estar presos na Coreia do Sul até que as relações com o Norte melhorem, embora seja possível, é claro, que eles acabem mudando de ideia e decidam que não querem mais voltar", disse o professor. "Mesmo que eles ainda queiram voltar, parece provável que isso leve muito tempo."
Em outubro, a agência estatal de notícia da Coreia do Norte KCNA confirmou em um relatório que as mudanças na constituição do Norte, propostas no início do ano, entraram em vigor e que a Coreia do Sul agora é oficialmente designada como um "estado hostil".
Com a nova postura de Pyongyang em relação ao vizinho, estradas que cruzam a fronteira foram escavadas e bloqueadas com obstáculos antitanque, linhas ferroviárias foram removidas e a fronteira está "permanentemente" selada. Pyongyang não está mais interessada na reunificação e o Sul é seu "principal inimigo", informou a KCNA.
Silêncio absoluto do Norte
Como consequência, os funcionários norte-coreanos no posto fronteiriço de Panmunjom, onde os dois lados se enfrentam desde a assinatura do armistício que encerrou a Guerra da Coreia (1950 – 1953), não está mais respondendo as chamadas da linha direta com o Sul.
"O relacionamento já era ruim antes, mas agora o Norte simplesmente parou completamente de se comunicar", disse Ahn Yinhay, professora de relações internacionais da Universidade da Coreia, em Seul. "As coisas pioraram depois que Yoon se tornou presidente, em parte porque ele fez acordos com os Estados Unidos e o Japão para uma aliança de segurança tripartite na região", disse. "E, desde então, eles não estão atendendo ao telefone na fronteira e não há outra maneira de entrar em contato com eles."
Ahn disse que os dois pescadores parecem ser súditos leais da Coreia do Norte, com a ressalva de que o desejo deles de retornar ao Norte pode ser, em parte, devido à preocupação com o bem-estar de suas famílias. Tradicionalmente, o regime de Pyongyang faz represálias contra parentes de desertores, colocando-os em campos de trabalho ou de reeducação política, por exemplo.
Há relatos de que essas punições se tornaram ainda mais severas recentemente. "Eles devem estar cientes de que o Norte estará monitorando as notícias no Sul e espero que eles mantenham sua posição de que desejam ser repatriados para proteger suas famílias", disse Ahn.
Sul tem interesse em retorno
Lankov observa que os dois homens certamente foram expostos às luzes e à relativa opulência da vida urbana na Coreia do Sul, e que seria prudente, num eventual retorno, que moderem seus relatos. "A menos que sejam suicidas, eles não serão excessivamente falantes sobre o que viram", afirmou.
É do interesse da Coreia do Sul que eles retornem, aponta Lankov. Em termos práticos, apoiar desertores é um compromisso caro e prolongado, uma vez que os recém-chegados do Norte precisam de assistência médica, educação para poder trabalhar no Sul capitalista e apoio com moradia e integração à sociedade.
Talvez a maior oportunidade para a repatriação dos dois homens venha depois de 3 de junho, quando a Coreia do Sul vai às urnas para eleger seu novo presidente. No momento, o candidato do Partido Liberal, Lee Jae-myung, é o grande favorito, e espera-se que ele tente construir pontes com o Norte.
"Lee pode estar disposto a fornecer ajuda ao Norte sem restrições e isso pode mudar a posição do Norte com relação às comunicações, o que permitiria que esses homens voltassem para casa", disse Lankov.