A juíza Cristina Ribeiro Leite Balbone Costa, titular da Vara da Infância e da Juventude, determinou que todas as crianças e adolescentes que estudam no regime de internato do grupo católico conservador Arautos do Evangelho voltem para as suas casas até o dia 1° de julho deste ano. Isso ocorreu depois que ex-internos denunciaram casos de humilhações, torturas, assédios e estupros. As informações são do G1.

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O grupo conservador foi fundado em 1999 por João Clá Dias – que fazia parte da antiga sociedade conservadora Tradição, Família e Propriedade (TFP) – e possui 15 colégios por todo o território nacional. A sua sede é situada no meio da Serra da Cantareira, em Caieiras, São Paulo.

A juíza ainda proibiu que novas matrículas sejam realizadas em todas as unidades administradas pelos Arautos do Evangelho.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo informou que, por conta da pandemia de Covid-19, não sabe ao certo quantos estudantes fazem parte do grupo religioso. Por isso, a juíza Cristina determinou que as instituições apresentem as listas com os alunos matriculados.

Denúncias

Em 2019, o programa Fantástico, da TV Globo, divulgou duas reportagens nas quais relatou o que ocorria dentro das escolas do grupo Arautos do Evangelho. Desde então, 40 pessoas, entre ex-internos e pais, procuraram o Ministério Público de São Paulo para contarem as suas histórias.

Claudete, mãe de um ex-aluno, informou que retirou o seu filho da sede do Arautos do Evangelho após o garoto apresentar um comportamento agressivo.

“O menino que eu mandei 10 meses antes para lá não foi o que voltou. Estúpido, grosso, me ofendia de todas as maneiras. Só os Arautos eram perfeitos. Ele não queria comer, ele marchava com aquela roupa dentro de casa.”

O ex-interno Alex Ribeiro de Lima afirmou que o objetivo do Arautos do Evangelho “é justamente ter uma mão de obra barata, uma mão de obra escrava, como eles utilizam”.

Outra mãe, que preferiu não se identificar, contou que “minha filha virou um robô. Minha filha não existe, ela não tem amor pela gente, carinho, não tem nada”.

Fato corroborado por Alex Ribeiro, segundo ele, a família tem que desaparecer da memória dos alunos. “(Para o Arautos do Evangelho), a família atrapalha o caminhar do jovem lá dentro. Eles ensinavam que a gente não tinha que amar nossos pais, pelo fato do que eles ensinaram para gente no mundo, como se tudo que ensinarem fosse o início do pecado.”

“Lá eles também têm capítulos. Você deita no chão e vem um superior e começa a fazer uma série de acusações. Só que existe uma tática nesses capítulos que eles fazem. Controlar a pessoa que está ali deitada, para que a pessoa se sinta um grande pecador, uma pessoa que não vale nada. E eles começam a fazer essa lavagem cerebral na mente das pessoas”, completou.

Um outro ex-interno, que preferiu não se identificar, informou que realizou cursos de tiro. “O motivo de eu ter feito este treino de tiro foi para uma eventual preparação de bagarre porque eles diziam internamente que estavam na iminência de serem atacados por pessoas que odiavam a religião, que odiavam a Igreja Católica.”

A bagarre, segundo o Arautos do Evangelho é quando Deus irá punir todos os pecadores e acontecerá um confronto entre os filhos das trevas e os filhos da luz, que são os alunos da instituição.

Abuso sexual

Conforme o boletim de ocorrência, uma mulher relatou que, aos 13 anos, foi acordada por uma encarregada do alojamento para tomar banho. Segundo ela, a sua parte íntima estava sangrando, doendo e inchada. A moça acredita que foi dopada e estuprada.

Uma outra ex-aluna afirmou que João Clá acariciava os seus seios e as suas nádegas.

A colombiana Maria Paula relatou ao Ministério Público que João Clá a beijou na boca. “Uma menina que vivia na Colômbia comigo também me contou que ele deu um beijo na boca. Então eu perguntei e ela disse que bom, então recebeu a graça.”

João Clá sofreu um acidente vascular cerebral há dez anos e se afastou da direção do Arautos do Evangelho.

O que diz a instituição

Ao Fantástico, três representantes do Arautos do Evangelho repudiaram as acusações e afirmaram que todas as escolas seguem o sistema de ensino determinado pelo Ministério da Educação. “Nós estamos diante de uma situação, de uma campanha de difamação feita por desafetos da instituição, desafetos da igreja em geral. Uma campanha de perseguição religiosa onde a igreja católica está em foco e a instituição em particular.”

Ao ser questionado sobre os abusos sexuais, o sacerdote Alex Barbosa de Brito afirmou que o relato de beijos na boca é uma calúnia. “Irmã (Madre Mariana), a senhora viu alguma vez isso? Afirmar que um boletim de ocorrência pode ser indício de prova. Boletim de ocorrência é um primeiro passo. É um ato unilateral, de alguém que vai na delegacia e faz uma denúncia. A delegada já ouviu. A irmã pode dar o testemunho dela agora, porque também foi colocada como cúmplice disso. Essa investigação vai seguir o seu curso e, quando for concluída, aí sim cada um vai saber o que fazer. Tem até direito de recorrer à Justiça como denúncia caluniosa.”

Após denúncias, Justiça de SP determina que estudantes do internato Arautos do Evangelho voltem para casa
Reprodução/TV Globo Representantes do grupo Arautos do Evangelho (Crédito:Reprodução/TV Globo)