Sempre atento à possibilidade de avançar em cargos e verbas do governo, o Centrão viu mais uma oportunidade para obter dividendos com o desconforto criado na celebração de 1º de Maio, onde Lula afirmou que o MDB, partido que integra o grupo e apoia o governo, “é adversário do PT”. No evento, o presidente pediu votos para o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), candidato à Prefeitura de São Paulo e que tem como vice a petista Marta Suplicy. Essa posição irritou o MDB local e motivou lideranças nacionais a criticarem o líder petista. O prefeito paulistano, Ricardo Nunes, é candidato do partido à reeleição, e tem apoio do espectro conservador na cidade, inclusive do bolsonarismo.

O novo atrito envolvendo um partido do Centrão, onde o MDB atua com destaque, está sendo considerado como uma nova janela de oportunidades para se cobrar mais caro pelo apoio a projetos e pautas governistas no Congresso. O clima já estava azedo depois que o governo acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender os efeitos do projeto aprovado nas duas Casas Legislativas prorrogando a desoneração da folha de pagamentos. A suspensão foi determinada pelo ministro Cristiano Zanin, indicado por Lula, e enfureceu o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que criticou a medida.

Essas duas situações suscitaram movimentações na Câmara e no Senado no sentido de cobrar de seus presidentes (Pacheco e Lira) para que eles promovessem algum tipo de retaliação ao Palácio do Planalto. Os recados foram dados no dia seguinte ao discurso de Lula em favor de Boulos, com o MDB paulistano entrando com ação no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) pedindo investigação sobre suposto abuso de poder econômico e uso da máquina pública federal na campanha por parte de Boulos. Especialistas consultados pelos emedebistas entendem que, pela lei eleitoral, a fala de Lula no comício do 1º de Maio na Zona Leste de São Paulo configura antecipação da campanha, o que seria proibido.

O presidente nacional do MDB, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), subiu o tom e declarou nas redes sociais que a fala de Lula foi “infeliz” por antecipar a campanha e por considerar um partido da base aliada como “adversário”, como o presidente especificou no evento. Rossi recordou-se de várias votações em que o partido apoiou o governo. “Em vez de ofertar esperança aos trabalhadores no 1º de Maio, o presidente da República foi a São Paulo com a estrutura do governo, para fazer campanha eleitoral contra o MDB, partido com três ministros que têm feito um trabalho exemplar para o País”, provocou o emedebista. O partido tem sob sua responsabilidade os ministérios do Planejamento (Simone Tebet), Cidades (Jader Filho) e Transportes (Renan Filho).

Após declaração de Lula, Centrão pode elevar preço do apoio ao governo
Baleia Rossi (dir.) ficou furioso por ser considerado “adversário” por Lula em São Paulo e aposta no apoio do governador Tarcísio de Freitas (centro) a Ricardo Nunes (Crédito:Divulgação )

No Palácio do Planalto já há uma “força-tarefa” atuando para aplacar a insatisfação de Rossi e de Pacheco, além de dar vazão aos constantes pleitos de Arthur Lira, incomodado com a demora do governo em liberar verbas das emendas parlamentares.
Além do descontentamento com Lula no 1º de Maio, já havia também uma preocupação em relação às recentes declarações de Baleia Rossi, que, em fevereiro, declarou que não havia garantias de que o MDB apoiaria uma eventual candidatura de Lula à reeleição, acenando até com uma candidatura própria em 2026.
Para analistas ligados ao partido, esse foi mais um recado da legenda de que ela está insatisfeita com o número de cargos no governo e que deseja ampliar sua influência.

Para o cientista político Cleyton Monte, da Universidade Federal do Ceará, o movimento do MDB a partir da fala de Lula pedindo voto para Boulos não é surpreendente. “Essa movimentação faz parte do jogo. O MDB é um partido de barganha. Sentiu-se atingido na disputa pela maior cidade do País e reagiu. Resta saber o alcance das ameaças. Não creio que haja risco para as alianças do partido com o PT em capitais nordestinas, por exemplo.”

Xadrez político

Entre parlamentares do Centrão, no entanto, há quem enxergue problemas nas alianças em alguns locais caso Baleia Rossi insista em transformar em crise a frase de Lula de que o “MDB é adversário do PT”.

É o caso de Maceió (AL), onde o PT conversava com o MDB local, dominado pelo ex-senador Renan Calheiros. Os entendimentos para o apoio petista a Rafael Brito (MDB) esfriaram, levando o partido de Lula a lançar a candidatura própria, nesta quarta-feira, 8, de Ricardo Barbosa.

Emedebistas temem que esse seja um dos primeiros efeitos práticos das desavenças do 1º de Maio. Esfriaram também as negociações para que o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), homem de confiança de Rodrigo Pacheco, tenha o apoio dos petistas. Se não houver acordo, o PT poderá oficializar a candidatura do deputado Rogério Correia (PT-MG).

Para driblar a voracidade do Centrão, o Palácio do Planalto liberou, no último dia 30, R$ 4,9 bilhões em emendas parlamentares, sobretudo dos partidos ligados ao grupo, após pressões de deputados liderados por Arthur Lira. Entre 1º de janeiro e 29 de abril, o governo havia empenhado R$ 13,9 bilhões em emendas, a maior parte relativa a verbas do Ministério da Saúde, onde o Centrão tem interesses. Como se vê, os partidos desse grupo fisiológico usam os mais variados pretextos para reivindicar mais cargos e verbas.