O futebol feminino chegou a comemorar o aumento de visibilidade na temporada passada com o sucesso do Mundial na França. Com a pandemia do novo coronavírus, a crise financeira atrapalhou a vida de uma brasileira na Espanha. O Estadão teve acesso ao contrato da jogadora Camila Mehler, do time espanhol La Solana, da primeira divisão. Ela foi uma das atletas prejudicadas durante a crise.

Em entrevista, Camila conta que estar fora do seu País chegou a ser um drama durante a covid-19. Ela explica que a quarentena na Espanha começou no dia 13 de março, suspendendo os treinos e os jogos. Desde então, começou a ter problemas com os acordos firmados com o clube. “Meu contrato afirma que eles teriam de pagar meu salário, moradia, uma refeição por dia e a passagem de avião para voltar ao Brasil. Desde a paralisação eu não recebo o meu salário. O contrato de aluguel da casa em que eu estava foi encerrado no início de maio e o clube se recusou a custear minha passagem”, lamentou.

A jogadora precisou entrar em contato com a embaixada brasileira por não ter mais “condições financeiras e psicológicas para continuar na mesma situação”. “Se não fosse a ajuda da minha família eu não teria nem onde morar hoje. Ao entrar em contato com a embaixada, eles me disseram que não terá outro voo de repatriação tão cedo e que não têm como me ajudar agora. Diante de tudo isso, minha família mais uma vez precisou se reunir. Eles juntaram dinheiro e conseguiram pagar a minha passagem”, contou.

Ela conseguiu retornar ao Brasil apenas no final de maio, após a família arrecadar dinheiro o suficiente para a compra das passagens aéreas. “Além de não pagar o voo, o clube também não se dispôs a me levar no aeroporto. Precisei sair um dia antes, ir até uma cidade vizinha, pegar um trem até Madri, com bilhetes pagos por um amigo, e outro trem até o aeroporto. Tudo isso sozinha e carregando malas”. A jogadora passou parte do período entre o horário de chegada no aeroporto e seu embarque na rua, já que não poderia ficar dentro do local e todos os estabelecimentos próximos estavam fechados.

“O clube simplesmente não responde as minhas mensagens e não demonstra se importar com o que está acontecendo comigo. Eu ainda tentei entrar em um acordo com eles, informando que não precisavam pagar os dois meses de salários, mas pelo menos pagassem a passagem que comprei para retornar ao Brasil e nem isso eles fizeram”, revelou.

Nesta semana, a jogadora enfim recebeu um alerta do time espanhol, mas apenas enviando um documento de rescisão do seu contrato, feito no dia 5 de março. “Ambas as partes foram dispensadas das obrigações firmadas”, disse parte do documento, que não foi assinado por Camila.

O Estadão entrou em contato com o advogado trabalhista Higor Maffei Bellini. O especialista em direito esportivo explicou que uma das práticas comuns entre os clubes durante a pandemia é pagar as passagens para os atletas retornarem aos seus países. Mas isso não é uma regra jurídica.

Porém, Camila tem o direito de receber os salários até o final do seu contrato. “Já que ela não assinou a rescisão antecipada, o clube dispensou a jogadora e não cumpriu com os termos do contrato. De acordo com a Fifa, como o clube pagava as despesas da atleta, ela é jogadora profissional”, explicou o advogado.

De acordo com o regulamento da entidade máxima do futebol, “um profissional é um jogador que tem um contrato escrito com um clube e é pago mais por sua atividade futebolística do que pelas suas despesas. Todos outros jogadores são considerados amadores”.

A reportagem entrou em contato com o La Solana, mas não recebeu uma resposta até a publicação desta matéria. Camila afirmou que após o contato do jornal, o clube a questionou sobre as informações fornecidas.