Apoiador e financiador do coach Pablo Marçal nas eleições para a Prefeitura de São Paulo em 2024, o advogado Marcelo Tostes, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), desafiou seus pares ao ler um manifesto em que dirigiu pesadas críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e convocou a entidade máxima da Advocacia a assumir uma posição firme e decisiva contra o que avalia ‘abusos’ da parte de ministros da Corte. O protesto de Tostes ocorreu na sessão do Pleno do Conselho na última segunda-feira, 25. O Estadão teve acesso a ele.
“O que mais nos afeta, sem dúvida, é este Judiciário Supremo que a cada dia perde mais o rumo que sempre o norteou”, afirmou Tostes. Ele fez reflexões sobre o papel da OAB e sua ‘responsabilidade histórica’ no atual cenário político e institucional do país. “Qual OAB queremos? Uma OAB guardiã, política, omissa ou de todos?”
Propôs a seus pares uma ‘reflexão que esta Casa não pode mais adiar’. Para Tostes, ‘o respeito às leis e à Constituição não são mais importantes’.
“Vivemos um tempo em que a sociedade já não aguenta mais falar em política da forma como ela vem sendo tratada”, sustenta. “Ao lado da vida política, de ataques e contra-ataques, o que mais nos afeta, sem dúvida, é este Judiciário Supremo que a cada dia perde mais o rumo que sempre o norteou.”
Um pouco antes do protesto do conselheiro, na mesma sessão, o presidente da OAB nacional, Beto Simonetti, pregou a necessidade de um ‘movimento pela pacificação do País’. “Clamamos às instituições, às autoridades e aos líderes políticos que façam sua parte. Os extremos não podem ditar o rumo do debate público!”
‘Não podemos mais falar’
Ao atacar o cerco do STF a manifestações enquadradas como desinformação e fake news, Marcelo Tostes invocou um ditado que a ministra Cármen Lúcia usou durante uma sessão no Supremo. “Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”, ela disse, na ocasião. “Hoje esse ditado está prestes a ser proibido! Não podemos mais falar”, protesta o advogado.
O conselheiro mandou um recado irônico para a cúpula de sua entidade. “Aí é que entra a necessidade de a OAB se manifestar, não por notas, mas adotando uma postura firme, representando não só os advogados, mas todo o povo, que hoje vive com medo e sem rumo’.
Falou de um tempo em que, segundo ele, ‘a discrição era regra, a sobriedade era a marca’ na Suprema Corte. “Hoje vivemos o oposto: um Judiciário protagonista, midiático, político, que muitas vezes parece querer, a qualquer custo, a chave do nosso país.”
“Diante de tantos abusos e distorções, a Ordem tem de se impor. O silêncio, meus colegas, não é neutralidade. O silêncio dói!Dói porque fragiliza a advocacia, enfraquece a cidadania e mina a confiança da sociedade que juramos defender”, seguiu o conselheiro.
Ele disse que ‘entende a dificuldade deste Conselho Federal’. “O cidadão simples que se manifesta tem sua rede social banida, aquele que insiste em falar tem seu passaporte apreendido, e aqueles que enfrentam a realidade são presos. O medo da perseguição não pode bater à porta da nossa entidade! A OAB sempre participou institucionalmente dos momentos mais importantes da vida política do nosso país.”
Recorreu às Diretas Já, histórica manifestação popular que arrastou milhões às ruas, nos anos 1984 em busca da abertura e de eleições presidenciais pela via do voto – o que só iria ocorrer cinco anos depois. “A busca também era pela liberdade e pelo fim da censura!”, lembrou o conselheiro. “Cadê a nossa indignação contra atos dos super ministros do STF?”
Tostes disse que ‘é fácil usar a palavra independência como cortina para proteger abusos e ilegalidades’. “Não podemos esquecer quantos inquéritos foram instaurados, investigados e julgados pelo próprio STF. Processos que não têm fim! A nossa Constituição não pode ser um espelho do ego de cada ministro.”
‘Ego’
Mais uma vez instigou os colegas. “Já imaginaram se proibirmos um ministro de entrar na nossa sede com o seu computador ou um de seus dez seguranças? Certamente seríamos presos!”
Destacou que o Judiciário ‘custa 1,5% do PIB do país, ou seja, mais de R$ 130 bilhões, quatro vezes mais que a média mundial’.
“Só o STF custa mais de R$ 1,2 bilhão por ano para servir onze ministros. Nós não nos manifestamos. Está certo isso?”
Ele prosseguiu. “Infelizmente, o ego e a vaidade parecem ter substituído a humildade da toga. Ministros do STF deveriam apenas julgar processos que, aliás, são milhares, mas hoje não têm limite.”
O advogado assinala que a OAB ‘é, pela Constituição, guardiã da ordem jurídica, da democracia e das liberdades’. “Se quisermos honrar a nossa história, precisamos de coragem e independência.
A advocacia não merece uma OAB muda, mas altiva, firme e independente.”
COM A PALAVRA O PRESIDENTE DA OAB, BETO SIMONETTI
Durante a reunião do Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil na segunda, 25, Beto Simonetti pregou a pacificação no País mergulhado em mais crise política, às vésperas do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. “O espírito da pacificação é não tratar como inimigo quem pensa diferente de mim!”
Leia sua mensagem:
“Conselheiras e conselheiros federais,
Todos nós, aqui presentes, temos a honra e a responsabilidade de representar uma classe que tira seu sustento da defesa do direito, da justiça e das liberdades fundamentais.
Em todos os momentos críticos da história recente do país, a advocacia foi chamada a refletir e, muitas vezes, a se pronunciar.
E esse pronunciamento é feito, de forma legítima, por meio deste colegiado, o plenário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, eleito pelo pelas advogadas e pelos advogados de todo o país.
As instituições e o povo brasileiro têm na classe que representamos uma referência para a tomada de decisão em momentos decisivos.
O que dizemos e o que fazemos impacta diretamente nos rumos do Brasil!É com muita responsabilidade, portanto, que temos tomado a frente de um movimento pela pacificação do país.
Clamamos às instituições, às autoridades e aos líderes políticos que façam sua parte.
Os extremos não podem ditar o rumo do debate público!
O espírito da pacificação é não tratar como inimigo quem pensa diferente de mim!
A pluralidade de ideias é própria da democracia e deve ser preservada como valor essencial da convivência civilizada.
Tenho reforçado, inclusive diante de alguns protagonistas da polarização, que o Brasil precisa desarmar os espíritos.
O que enfraquece uma nação é a recusa em transformar a divergência em diálogo. Não podemos mais perder essa oportunidade.
O verdadeiro risco está em tratar o outro como ameaça, como se a simples existência de uma opinião distinta fosse um obstáculo a ser eliminado.
A paz se constrói com escuta, civilidade e compromisso com aquilo que é maior do que qualquer interesse individual: O FUTURO DO BRASIL!
O momento pede a busca de consensos em torno de pautas estruturantes, capazes de unir o país por objetivos permanentes.
E quais são essas pautas? Ora, são a saúde pública de qualidade, a educação gratuita e universal, a segurança cidadã e o combate firme às desigualdades sociais e regionais!Essas bandeiras não são de um ou de outro grupo. Elas são cláusulas pétreas da Constituição Cidadã, o pacto constitucional que nos rege e nos reúne.
Continuaremos encabeçando esse movimento pela pacificação, fazendo um chamado à responsabilidade coletiva!Conselheiras e conselheiros, peço que reiterem, em seus Estados, o convite para que todas as lideranças assumam, juntas, o compromisso de colocar o país acima das disputas menores e interesses particulares.
Precisamos de paz para focar nossas energias naquilo que mais importa: os rumos e o futuro da nossa profissão. Isso vale para a advocacia e para todas as profissões.
Toda a sociedade brasileira está de frente às transformações tecnológicas aceleradas que modificam, a cada dia, a própria forma de trabalhar, de fazer negócios e de se relacionar.
Aqui, na Casa da Advocacia, temos trabalhado incansavelmente para compreender e traduzir para advogadas e advogados o que significam essas mudanças.
As máquinas já nos prestam importante apoio e, agora, poderão fazer ainda mais por nós. Mas a ação humana da advocacia, no entanto, será sempre o mais importante. Nunca abriremos mão disso.
As sessões por vídeo possibilitam um enorme benefício em algumas situações em que a defesa só conta com esse recurso para se fazer ouvir. Mas não renunciamos às sustentações orais síncronas e presenciais, quando essa for a opção do advogado para fazer valer o direito de defesa.
A OAB tem cuidado para se manter isenta no processo político, equidistante dos líderes e das ideologias que protagonizam a polarização.
Somente uma Ordem independente conseguirá manter, como temos feito, sua credibilidade para dar as respostas necessárias ao Brasil.
Nosso recado é claro e direto: as soluções para o país passam pelo respeito à Constituição, às leis e aos espaços institucionais de diálogo.
Nosso posicionamento vem em um contexto de construção coletiva, com a participação das conselheiras e dos conselheiros federais, de presidentes e de conselhos seccionais e de Caixas de Assistência.
Finalizo reiterando o papel da advocacia como elo essencial entre a sociedade e o Estado, entre a legalidade e a justiça, entre o pluralismo e o bem comum.
Esse papel se fortalece quando encontra, nas instituições, vozes comprometidas com esses mesmos princípios.
Vamos juntos! De mãos dadas!
Muito obrigado.
Viva a advocacia!”