Autoridades chinesas usam um aplicativo por telefone de espionagem para traçar perfis, investigar e deter muçulmanos na região de Xinjiang, considerando atos perfeitamente legais como suspeitos, denuncia a ONG Human Rights Watch (HRW).

Pequim é alvo de críticas internacionais por sua política na região de Xinjiang, onde mantém até um milhão de uigures e de outras minorias muçulmanas em campos de ‘reeducação’, de acordo com um grupo de especialistas citado pela ONU.

A HRW já havia denunciado que as autoridades de Xinjiang usavam um sistema de vigilância chamado Plataforma de Operações Conjuntas Integradas (Integrated Joint Operations Platform, IJOP) para compilar informações de múltiplas fontes, como câmeras de reconhecimento facial, rastreadores de wifi, pontos de controle policial, registros bancários e visitas domiciliares.

Mas em um novo relatório, com o título “Os algoritmos da repressão da China”, a HRW trabalhou com uma empresa de segurança com sede em Berlim para analisar um aplicativo conectado com o IJOP, mostrando os atos específicos apontados no sistema.

As autoridades de Xinjiang observam de perto 36 categorias de comportamentos das pessoas, incluindo se eles socializam com os vizinhos, se evitam usar a porta principal de entrada, se usam smartphone, se doam para mesquitas “com entusiasmo” ou usam uma quantidade “anormal” de energia elétrica, indicou a organização.

O aplicativo instrui os funcionários a investigar as pessoas próximas a alguém com um novo número de telefone ou daqueles que deixaram o país e não retornaram em 30 dias.

“Nossas investigações mostram que, pela primeira vez, a polícia de Xinjiang usa informações compiladas ilegalmente sobre condutas completamente legais de pessoas e as utiliza contra estas pessoas”, disse Maya Wang, principal analista sobre a China da Human Rights Watch.

“O governo chinês vigia cada aspecto das vidas das pessoas em Xinjiang, selecionando aqueles que inspiram desconfiança e submetendo a um escrutínio adicional”.

A ONG obteve uma cópia do aplicativo e pediu à empresa de segurança cibernética Cure53 que o ‘desmontasse’, observasse o design e seus dados, para examinar o código fonte.

Ao lado da compilação de informações pessoais, o aplicativo solicita aos funcionários que apresentem relatórios sobre pessoas, veículos e fatos que considerem suspeitos, e envia “missões de investigação” para que a polícia faça um acompanhamento.

Também pede aos funcionários que verifiquem se os suspeitos que usam alguma das 51 ferramentas da internet que são consideradas suspeitas, incluindo plataformas de mensagens estrangeiras populares fora da China como WhatsApp, LINE e Telegram.

“Psicologicamente, quanto mais pessoas sabem que suas ações são observadas e que, a qualquer momento, podem ser julgadas por uma movimentação fora de uma zona cinzenta segura, maior a probabilidade de que façam todo o possível para evitar cruzar uma linha vermelha móvel”, afirma Samantha Hoffman, analista do Centro Internacional de Política Cibernética do Instituto Australiano de Política Estratégica.

“Não há estado de direito na China, o Partido decide o que é uma conduta legal e ilegal, e não tem que ser por escrito”, completou.

O aplicativo IJOP foi criado pela Hebei Far East Communication System Engineering Company (HBFEC), no momento em que pertencia ao China Electronics Technology Group Corporation (CETC), uma empresa estatal, segundo a Human Rights Watch.

Não foi possível entrar em contato com a CETC e a HBFEC não respondeu aos pedidos de comentários.