Cercado por aliados políticos, Jair Bolsonaro esteve na Avenida Paulista neste domingo (25/02) para discursar diante de apoiadores. Premido por investigações da Polícia Federal, o ex-presidente adotou tom menos belicoso do que o concebido em seus quatro anos de mandato. Não criticou ministros do Supremo Tribuna Federal (STF), pediu pacificação no país e ressaltou que deseja “passar uma borracha no passado”.

Não houve contagem de público feita pela Polícia Militar paulistana. Já a Secretaria de Segurança Pública comandada pelo governador Tarcísio de Freitas (PL) – aliado político de Bolsonaro e que estava no ato – contabilizou a presença 750 mil pessoas. O grupo da Universidade de São Paulo (USP) Monitor do Debate Político no Meio Digital estimou em 185 mil presentes no pico da manifestação, às 15h.

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Com bandeiras de Israel em resposta às críticas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao modo como o país tem atuado na Faixa de Gaza, o protesto serviu para mostrar que o Brasil segue “inteiramente polarizado”, e que a divisão escancarada nas eleições do ano passado não cessou, avalia Pablo Ortellado, professor de gestão pública da USP.

Segundo Ortellado, Bolsonaro fez um discurso na defensiva, mas conseguiu atrair seus seguidores e demonstrar força política. “Foi uma defesa das acusações de golpe, combinada com uma demonstração de força pela mobilização popular”. O ex-presidente falou por 22 minutos em cima do trio elétrico.

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Jonas Medeiros também avalia que o ato teve adesão significativa. “O protesto deste domingo é um marco na superação da ressaca e deslegitimação que a extrema direita estava vivendo depois do 8 de janeiro. As suas tentativas anteriores de reocupar as ruas, em novembro e dezembro do ano passado, foram muito pequenas.”

Para ele, que acompanha manifestações da direita in loco desde 2015, o evento deste domingo teve um diferencial significativo: a presença articuladora de Bolsonaro.

“Há uma diferença relevante entre os atos bolsonaristas no final de 2023 e este último. Os anteriores tiveram uma dinâmica de pequenos comícios eleitorais, sem a presença do principal líder eleitoral do campo reacionário. Agora, a massificação ocorreu em grande parte pois foi o próprio Bolsonaro quem a convocou”, complementa Medeiros.

Sem direção clara

A convocação do ato ocorreu num momento em que Bolsonaro enfrenta o avanço de uma série de investigações e o temor crescente entre seu círculo de que sua prisão esteja próxima. Com o cerco se fechando, o ex-presidente quis testar sua força nas ruas. Apesar da relevância, o protesto pouco deve influir no curso dos inquéritos.

De acordo com Medeiros, o ato não indicou os próximos passos necessários para articular uma ação coletiva pela anistia dos presos pelo 8 de janeiro ou para barrar as investigações contra Bolsonaro. “Assim, força quantitativa e a força qualitativa parecem ser de fôlego curto diante da ausência de uma clara proposta de como encaminhar politicamente no médio e no longo prazo a proteção de Bolsonaro e seu entorno das consequências judiciais do seu envolvimento com a tentativa de golpe.”

Outro ponto a se destacar foi a presença de políticos de olho no espólio eleitoral do ex-presidente, inelegível até 2030. Além do paulista Tarcísio de Freitas, também participaram os governadores Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, além do prefeito de São Paul, Ricardo Nunes (MDB).

A organização do campo político sem seu principal articulador nas urnas é um problema, segundo Medeiros, e nenhum dos nomes que despontaram até o momento parece pronto a ocupar o vácuo deixado pelo ex-presidente. “Bolsonaro tinha uma capacidade tanto retórica quanto carismática de falar para diferentes públicos ao mesmo tempo, consolidando uma hegemonia da extrema direita sobre a direita e a centro-direita. Esta não é uma operação trivial. Não é qualquer político profissional que tem esta capacidade.”

O impacto das investigações no ato

O ex-presidente aproveitou a manifestação para se pintar como vítima de perseguição e negar que tenha orquestrado uma tentativa de golpe. Ele defendeu ainda uma anistia aos seus apoiadores que foram presos durante a invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.

“É uma anistia que, muito possivelmente, se aplicaria a ele mesmo”, afirmou Ortellado. O cientista político ressalta que a fala de Bolsonaro serviu para que ele negasse que tenha tentado dar um golpe de Estado, em um momento no qual sua situação parece cada vez mais complicada, especialmente nas duas últimas semanas.

Em seu discurso, Bolsonaro afirmou que golpe é “tanque na rua, arma e conspiração” e que “nada disso foi feito no Brasil”. Segundo Medeiros, os efeitos da estratégia podem ser variados. Agindo assim, o ex-presidente evita mais problemas com a justiça. Mas pode perder apoio entre seus eleitores.

“Pelo que eu observei da base de seus apoiadores no chão do ato de rua, a recepção destas negativas de seu próprio golpismo foi recebida de forma morna e até mesmo melancólica. Isto pode ter um efeito desmobilizador, já que uma parte relevante de seus eleitores esteve efetivamente engajada em uma campanha golpista às últimas eleições.”

Outro efeito das investigações recaiu sobre os pedidos de intervenção militar. Se as manifestações anteriores o discurso por intervenção militar era preponderante, no protesto deste domingo não houve menção significativa à caserna – igualmente pressionada pelas apurações da Polícia Federal em oficiais de alta patente no Exército, Marinha e Aeronáutica.

“A confiança no golpismo secular das Forças Armadas entrou em crise dentro do campo reacionário. E ainda não há clareza do que pode ser colocado no lugar delas para encaminhar o processo político na direção reacionária e autoritária que este campo deseja”, ressalta Medeiros.