Gestantes que sofrem com apneia obstrutiva do sono podem reduzir em 35% o risco de hipertensão gestacional e em 30% o de pré-eclâmpsia se fizerem uso regular do CPAP, um aparelho não invasivo indicado para reduzir a ocorrência de apneia durante o sono. A conclusão é de uma revisão de estudos e meta-análise que reuniu dados de 809 gestantes com apneia. Os resultados foram publicados no JAMA Network Open. 

A apneia é um distúrbio do sono em que ocorrem pausas respiratórias repetidamente, bloqueando a passagem de ar para os pulmões e fazendo com que a pessoa pare de respirar por alguns segundos ou minutos enquanto dorme. Isso acontece por diversos motivos, entre eles, relaxamento dos músculos da garganta e inchaço das vias aéreas, impedindo o fluxo adequado de ar. Estima-se que o problema afete de 10% a 30% da população mundial adulta, e está crescendo devido ao aumento dos índices de obesidade. 

“Esses bloqueios causam pausas na respiração. Quando isso ocorre, o corpo percebe a falta de oxigênio e provoca microdespertares para retomar a respiração. Na maioria das vezes, a pessoa nem se lembra de ter acordado. As apneias podem acontecer várias vezes por noite, prejudicando a qualidade do sono e levando a outros problemas de saúde”, explica o ginecologista e obstetra Rômulo Negrini, coordenador-médico da Obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein. 

Se não for adequadamente tratada, a apneia do sono pode levar a outros problemas críticos para a saúde, incluindo hipertensão arterial, doenças cardíacas, diabetes e acidente vascular cerebral (AVC). A gravidez pode contribuir para o desenvolvimento ou exacerbação dos sintomas da apneia, elevando o risco de complicações gestacionais. 

Na revisão de estudos, pesquisadores de Taiwan e do Reino Unido constataram que a apneia contribui para a mortalidade hospitalar materna e, em gestantes com obesidade, a síndrome aumenta os riscos de pré-eclâmpsia, aborto e natimortalidade. Ainda segundo o estudo, há maior risco de o bebê nascer por parto cesariano e ficar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal. 

Por que piora nas grávidas?  

Gestantes podem desenvolver ou piorar os sintomas da apneia por quatro fatores principais: alterações hormonais, alterações anatômicas, ganho de peso e retenção de líquidos. Esse último é um dos mais relevantes. “As alterações hormonais da gravidez fazem a gestante reter mais líquidos em seus tecidos, tanto que elas ficam edemaciadas. Isso ocorre também nas mucosas das vias aéreas que, inchadas, dificultam ainda mais a passagem do ar. Além disso, também sabemos que o ganho de peso piora a apneia do sono, e ele acompanha as grávidas quase que invariavelmente”, observa o obstetra.  

No estudo, os autores notaram ainda que as quedas intermitentes nos níveis de oxigênio podem aumentar o estresse oxidativo, a inflamação e a disfunção endotelial, mecanismos que contribuem para a pré-eclâmpsia. Além disso, a fragmentação constante do sono contribui para alterações hormonais e metabólicas, podendo levar à hipertensão gestacional.  

Como tratar? 

Normalmente, o tratamento da apneia inclui mudanças de hábitos de vida, como perder peso e não fumar. Mas, em casos moderados a grave, uma das opções de tratamento é o uso do CPAP. O aparelho é considerado a terapia padrão ouro por não ser invasivo e melhorar consideravelmente os sintomas. Apesar disso, os pesquisadores constataram que a adesão ao tratamento com CPAP entre as gestantes variou de menos de 10% a 85%, o que demonstra uma resistência ao uso do equipamento. 

Segundo Negrini, diversos motivos podem explicar isso: desconforto físico devido à pressão da máscara no rosto; sensação de claustrofobia, especialmente para aquelas pessoas que não estão acostumadas a dormir com algo cobrindo o rosto; secura ou irritação nas vias aéreas se não usar umidificador junto à máquina; percepção de falta de necessidade por não perceber os benefícios imediatos do CPAP; e o barulho do aparelho (embora os equipamentos mais modernos sejam mais silenciosos, o ruído ainda pode ser um incômodo). 

O equipamento costuma ser indicado para os casos moderados a graves da doença, ou quando ela é acompanhada de comorbidades como hipertensão, diabetes e obesidade. “Mas é importante a gestante consultar um especialista do sono para entender a necessidade do CPAP, quando esse tratamento deve ser iniciado e qual a frequência de uso. O mais importante é atuarmos na prevenção, o que inclui manutenção de peso adequado e prática regular de exercícios”, orienta Negrini. 

No Brasil, a prevalência da apneia obstrutiva do sono em gestantes ainda não é amplamente estudada nem estabelecida com precisão. Mas, segundo o médico, a condição está sendo cada vez mais investigada devido ao aumento dos fatores de risco, principalmente a obesidade entre as gestantes. “Isso torna importantes o acompanhamento e a triagem de sintomas de apneia em mulheres grávidas, especialmente em casos com maior risco. Mas o acesso à polissonografia, exame usado para diagnóstico da apneia, ainda é um desafio em nosso país”, pondera. 

A relação entre apneia do sono e pré-eclâmpsia já é conhecida pela comunidade científica, mas ainda faltam evidências de como tratar o problema nessa fase. “A aspirina já mostrou sua parcela de contribuição e outros métodos foram testados, mas ainda sem conclusão”, relata Rômulo Negrini. “Agora temos um novo caminho, aparentemente mais sólido e eficaz. Creio que isso deva acender um alerta entre obstetras no sentido de investigar melhor a presença dessa condição em suas gestantes.” 

Fonte: Agência Einstein