Dependemos da energia elétrica como nunca, estamos conectados 24 horas por dia, e ela está ficando escassa. A crise hídrica que se instalou já impôs uma elevação assustadora no preço da eletricidade para tentar conter o consumo e aponta para apagões em curto prazo. Na terça-feira, 31, o governo federal anunciou um aumento de 6,78% nas contas de luz dos brasileiros, atrelado à bandeira tarifária vermelha, criada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEE) para fazer frente à falta de água para movimentar as usinas hidrelétricas. O País vive a pior seca em 91 anos e foi necessário pedir socorro às térmicas, que tornam a produção de energia mais cara e poluente. O valor de custo embutido na tarifa, que era R$ 9,49, passa a ser R$ 14,40 por cada 100 kW/h consumido. O reajuste vale até abril de 2022 e exclui pessoas de baixa renda e o estado de Roraima.

“Fico em alerta o tempo todo. O apagão de 2001 assustou todo mundo. Não queria que esse cenário se repetisse” Ricardo Eloi, empresário (Crédito:Toni Pires)

“O sistema está estressado”, diz Rennan Bello, especialista em energias renováveis pela PUC-Rio e gerente executivo de gestão de energia na empresa Thymos. “Já estamos vivendo uma espécie de racionamento, porque quando se aumenta o preço as pessoas tendem a diminuir o consumo.” Se nada for feito, ou seja, se a demanda não for suprida até novembro, o Brasil pode passar novamente por apagões — cenário que não se verifica desde 2001, quando o governo programou blecautes para evitar um colapso no sistema elétrico. “Pode ser que tenha que ocorrer algum racionamento”, disse o vice-presidente da República, Hamilton Mourão.

Durante esse momento de grave crise, que também é econômica, a primeira reação de qualquer brasileiro que está com as contas no vermelho foi, obviamente, mudar a rotina. Apagar as luzes de ambientes pouco utilizados se tornou óbvio. “Se pudesse, escolheria ir mais vezes ao escritório para economizar e não só trabalhar em casa, mas a empresa está fazendo rodízio de funcionários”, diz o fotógrafo Vinícius Pimenta, que trabalha de home office desde o início da pandemia. “Essa crise hídrica está totalmente relacionada com a má gestão do governo federal, não tem como culpar a população de gastar muita eletricidade. Nossa vida é movida pela tecnologia”.

Impacto nos lucros

Empresários vivem uma realidade parecida. O avanço da vacinação e a reabertura do comércio parecia ser um alívio, mas, com o aumento da tarifa, a alegria virou tormento. “Quando achamos que a onda ia acalmar, vem uma maior ainda. O custo da energia impacta diretamente no lucro, não tem jeito”, diz Brunna Farizel, sócia-fundadora da Splash Bebidas Urbanas. A loja, no bairro Paraíso, em São Paulo, tem um gasto mensal de R$ 1.500 em contas de luz e, com o aumento, esse valor será muito maior. “Mudamos o nosso dia-a-dia. O tempo todo conferimos se os equipamentos estão desligados. Nesse período de retomada, um gasto, ainda que baixo, de cem ou duzentos reais, faz a diferença no fim do mês.”

“Mudamos o nosso dia-a-dia. O tempo todo conferimos se os equipamentos da loja estão desligados” Brunna Farizel, empresária (Crédito:Toni Pires)

Obviamente, o racionamento de energia traz, sim, uma diminuição no consumo da população, mas não é justo que ela própria pague um valor mais alto devido à escassez. É importante ressaltar que, em abril de 2019, Jair Bolsonaro extinguiu o horário de verão, medida que tinha como intuito, justamente, diminuir o consumo durante os períodos de seca. Agora, de maneira contraditória, o governo anuncia que pagará um bônus para quem diminuir as faturas entre os meses de setembro e dezembro. Quem conseguir cortar o consumo de 10% a 20%, recebe um desconto de R$ 0,50 em cada kW/h.

Cada um tenta fazer o que pode. A Sono Quality, fabricante de colchões localizada em Tremembé (SP), substituiu telhas da fábrica, antes opacas, por outras que utilizam material translúcido, para favorecer a luz natural. Na sede administrativa da empresa, em São Bernardo do Campo (SP), as mudanças foram mais significativas: as lâmpadas foram trocadas por luzes de presença e ao longo de dias ensolarados, aproveita-se a claridade solar. “Quando passo em uma sala e vejo uma luz acesa, sou o primeiro a apagar”, diz Ricardo Eloi, presidente da Sono Quality. “Fico em alerta o tempo todo, ando sempre preocupado. O apagão de 2001 assustou todo mundo, não queria que esse cenário se repetisse.”