Uma das bases da democracia americana, a mais longeva da história, é o equilíbrio entre direitos e deveres para todos os cidadãos. Isso garante o desenvolvimento e distribui a riqueza. No Brasil, ao contrário, o atraso e a desigualdade secular são sustentados pelo aparelhamento do Estado, colocado a serviço de grupos de interesse e setores privilegiados. O governo Bolsonaro é um exemplo cristalino e torpe das consequências desse patrimonialismo nacional. A recém-anunciada benesse para igrejas evangélicas, aprovada no Congresso e aguardando sanção presidencial, é exemplar. A medida anistia R$ 1 bilhão em dívidas com a Receita Federal. Bolsonaro já disse à bancada evangélica que apoia a iniciativa, mas afirmou que vai vetar parte do perdão para não incorrer em crime de responsabilidade. Isso não o isenta. O projeto tem as suas digitais. Os evangélicos são uma base de sustentação fundamental para seu governo, e se uniram desde a campanha. O bispo Edir Macedo passou a apoiar Bolsonaro uma semana antes do primeiro turno. Na mesma ocasião, Bolsonaro recebeu o apoio de vários líderes da comunidade. O pastor Magno Malta chegou a ser cotado como seu vice.

Câmara dos deputados

A emenda, que anula dívidas acumuladas após fiscalizações e multas aplicadas pela Receita, foi apresentada pelo deputado David Soares (DEM), filho do missionário R. R. Soares. Quinze dias antes, o parlamentar havia se reunido para tratar do assunto com Bolsonaro e o secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto. A aprovação, folgada, teve 345 votos. Entre os apoiadores estão os deputados-pastores Silas Câmara (Republicanos), Marcos Pereira (Republicanos), e Marco Feliciano (Republicanos). Os religiosos não foram os únicos a endossar o projeto. O PCdoB votou unanimemente pela ajuda aos evangélicos. A anistia é especialmente imoral porque favorece instituições que já são agraciadas, por lei, com imunidade no pagamentos de impostos. As igrejas são alvos de autuações por driblarem a legislação e distribuírem lucros e outras remunerações a seus principais dirigentes sem efetuar o devido recolhimento de tributos.

Benefícios em série

Outros setores também têm sido beneficiados. Os militares já foram protegidos durante a Reforma da Previdência por interferência direta de Bolsonaro. Além de escaparem das regras mais rígidas aplicadas à população, ganharam aumentos. O Ministério da Defesa foi amplamente beneficiado no atual Orçamento, em contraste com a Saúde e a Educação. Na proposta incompleta de Reforma Administrativa encaminhada recentemente pelo governo ao Congresso, o presidente deixou claro que os atuais servidores não serão atingidos. Eles têm estabilidade e salários garantidos, ao contrário de todos os trabalhadores do País, e consomem mais de 10% do PIB. Essa rede de privilégios é garantida e estimulada pelo mandatário, que é investigado por tentar interferir na Polícia Federal para beneficiar a própria família em inquéritos que apuram desvios de dinheiro público. Todo esse desequilíbrio será, espera-se, enfrentado pela sociedade em algum momento. Enquanto isso, Bolsonaro garante o seu privilégio e o dos amigos.