Com 92 anos de vida e mais de sete décadas dedicadas à TV, ao cinema e ao teatro, Othon Bastos, um dos maiores atores brasileiros, esteve em São Paulo entre setembro e 5 de outubro com seu primeiro monólogo, Não me entrego, não!. No espetáculo, o veterano revisita sua trajetória e celebra os momentos mais marcantes de sua carreira, encarando o desafio de sustentar sozinho uma apresentação de 100 minutos. Letícia Sena, apresentadora do videocast ‘IstoÉ Gente Entrevista’, esteve no Teatro Sérgio Cardoso para entrevistá-lo e encontrou um artista brincalhão e acolhedor, que recebeu a equipe com humor e simpatia. No brilho dos olhos, transparecia o segredo de sua longevidade artística: o fôlego e a paixão inabalável pelo teatro.
Considerado o maior ator brasileiro vivo, Othon possui uma carreira repleta de títulos marcantes no cinema e no teatro, que são relembrados em cena, propondo uma reflexão sobre cada momento de sua trajetória. É o mural de uma vida dividido em blocos temáticos — trabalho, amor, teatro, cinema, política etc. —, cujas reflexões envolvem citações e referências de alguns dos autores mais importantes do mundo.
Nesta conversa, Othon Bastos destacou o amor e a importância do teatro para um ator e refletiu sobre os grandes artistas veteranos, como Fernanda Montenegro, Laura Cardoso, Nathália Timberg e outros medalhões da dramaturgia brasileira, dizendo: “A nossa geração está acabando.” Confira a entrevista na íntegra:
Como tem sido para você voltar aos palcos com o monólogo Não me entrego não!?
Otto: Eu nunca tinha feito um monólogo na vida. Fui ver uma peça do Flávio Marinho, Jude, senhora Jude Galin, e achei maravilhosa. Conversei com ele e sugeri: “Vamos fazer um trabalho juntos?”. Sempre gostei de contracenar; o bonito do teatro é se doar aos colegas.
De que forma surgiu a ideia de você se lançar no desafio de fazer um monólogo?
Otto: Flávio ficou surpreso, porque éramos amigos há mais de 50 anos. Ele foi crítico de teatro e me criticou muito, mas agora estreou como ator. E disse: “Vamos fazer”. Um dia ele me ligou, conversamos sobre o material, e levei um saco com 700 páginas de leituras e frases que gosto — algumas estão na peça.
Qual direção ou linha editorial você estabeleceu para o texto do monólogo?
Otto: Eu disse: “Não quero amargura. Não quero falar de mãe, pai, avô, bisavô. Quero falar da vida. A vida é mais importante que a posteridade.” A frase que mais me marcou veio da poetisa Emily Dickinson: “Eu nasço contente todas as manhãs”. É isso que quero transmitir.
Qual aprendizado diário que você sente quando está em cena?
Otto: Exatamente. Quando estou em cena, como dizia Fernando Pessoa, “trabalhar é trabalhar-se”. Estou sempre me trabalhando, aprendendo e transmitindo.
Como começou sua trajetória no teatro?
Otto: Tudo começou no ginásio, com um concurso de recitação. Uma professora disse que eu não tinha jeito para arte e me proibiu de continuar. Mas continuei em outro colégio e inaugurei o teatrinho lá. Aprendi teatro com Pascoal Carlos Magalhães, estudando bastidores antes de pisar no palco.
Qual é a sua percepção sobre a nova geração de atores e o atual cenário da dramaturgia brasileira?
Otto: O teatro é eterno. Não importa a época, sempre haverá palco e público. Ver colegas fazendo um trabalho lindo me emociona; o teatro é a transmissão dessa emoção.
Como é para você manter-se ativo nos palcos aos 92 anos e encarar a longevidade no teatro?
Otto: Eu me preparo, caminho, estudo, repito textos. Para mim, fazer teatro é viver. Não posso ficar muito tempo longe do palco.
Qual é a sua opinião sobre a polêmica em torno da Lei Rouanet, que está financiando o seu monólogo?
Otto: Há muitas críticas e modificações, mas a lei ajuda artistas. Prefiro entender caso a caso. No meu tempo, tudo era na base do esforço e da prática; agora há processos e prestações de contas, mas ainda é fundamental para manter a cultura viva.
O seu monólogo aborda temas políticos ou sociais?
Otto: Não falo de política. Falo da vida e dos obstáculos que superamos. Um pensamento lindo diz que o atleta deve se orgulhar não das medalhas, mas dos obstáculos vencidos.
Como você enxerga o papel e a presença dos atores veterano na televisão e no teatro atualmente?
Otto: A maior felicidade é ver colegas como Fernanda Montenegro, Laura Cardoso e Natália Timberg em atividade. É um dom que distribuem para o público, não guardam para si. Nossa geração está acabando, mas ainda há quem ame o teatro de verdade. Isso é uma coisa divina, né? É um dom. É um dom que Deus deu para você. E elas não guardam isso para si, elas distribuem. A Fernanda está fazendo leituras para 20 mil pessoas, a Nathália está trabalhando, a Laura também está trabalhando. Isso é… raro. E é tão bonito! Eu vejo Rosamaria Murtinho, Mauro Mendonça… Essa gente, meu Deus, essa geração está acabando.
Uma vez, a Nathália foi ver o nosso espetáculo e, depois, a gente sentou para conversar — a gente se conhece há 45, 50 anos. Para nós, o tempo não existe, o que existe é amizade. Então ela me fez uma pergunta: “Ó, quem é que vai nos substituir, né? Nossa geração está acabando, né?”
Aí você tem que ver os novos que têm isso, os que estão aparecendo, os que amam o teatro, que têm prazer pelo teatro. Para fazer teatro, você tem que amar. Teatro não é exibição, entende? Você tem que fazer, tem que se entregar ao teatro. Quando você entra naquele palco, entra com amor. Esse amor você leva com você e transmite para a plateia — esse amor que você tem pelo teatro, por aquilo que está fazendo.
Como você avalia a nova geração de atores brasileiro, como Fernanda Torres e Wagner Moura, que têm se destacado no cinema nacional e levado o nome do Brasil para o mundo?
Otto: São talentos extraordinários. Eles representam a alegria de fazer teatro e cinema. É importante valorizar essa continuidade.
Otto, para encerrar a entrevista, que mensagem você gostaria de deixar para o público que te admira?
Otto: Teatro é amor, arte e consolo. Quem assiste, participa de um ato de amor. E mesmo aos 92 anos, a vontade de fazer teatro permanece intensa.
Serviço:
Não me entrego, não! – Próximas apresentações em São Paulo
Ainda este mês:
Dias 25 e 26/10
Biblioteca Mário de Andrade
R. da Consolação, 94 – República, São Paulo
Em dezembro:
Teatro Arthur Azevedo – Mooca (349 lugares)
Avenida Paes de Barros, 955 – Mooca, São Paulo
Assista ao vídeo da entrevista: