Aos 76 anos, a psicanalita Julieta Widman encerra nesta sexta-feira, 30, um ciclo que teve início em meados de 2010, quando começou a assistir a algumas aulas na Universidade de São Paulo (USP): a aluna mais velha entre os cerca de 30 mil estudantes de pós-graduação da USP defende, na manhã desta sexta-feira, sua dissertação de mestrado. E ela já se prepara para o desafio a seguir – fazer o doutorado.

Estudar é algo que já fazia parte de sua vida ao longo da carreira, mas a queda no número de consultas e a abertura de horas livres em sua agenda serviram de incentivo para que Julieta buscasse novos conhecimentos. Pelo programa Universidade Aberta à Terceira Idade, fez disciplinas nas turmas de Jornalismo e Arquitetura, chegando a pegar quatro disciplinas por semestre.

“Uma das disciplinas era tradutologia. Não sabia o que era e fui”, conta. Foi a ponte para encontros e reencontros com paixões. A primeira com a escritora Clarice Lispector. “Comprei três livros dela e comecei a separar em três colunas (trechos) do original e de duas traduções. Não consegui usar um programa de computador para fazer isso e eu mesma transcrevi. Levei três meses para fazer e foi maravilhoso, porque foi a primeira vez que li Clarice depois de adulta.” A apresentação do trabalho na área de Letras, intitulado A hipótese da retradução pelas modalidades tradutórias nas traduções para a língua inglesa de A Paixão Segundo G.H., será nesta sexta-feira, 30, quando é comemorado o Dia Mundial do Tradutor.

O processo de tradução também já fazia parte de sua vida. Quando ainda atuava somente como psicanalista, ela morou durante dois anos nos Estados Unidos e costumava traduzir artigos. Formada em Psicologia em 1969 também pela USP, Julieta se formou ainda pela Sociedade Brasileira de Psicanálise e viu seu divã se esvaziar com o passar dos anos. “Todo ano, pessoas novas se formam e elas têm os seus pacientes. Quem me encaminhava pacientes eram os pediatras dos meus filhos e amigos do meu marido. Com o tempo, fui para o consultório do meu marido, comecei a atender em casa e, agora, só tenho um paciente.”

O período na universidade trouxe novos amigos. “Foi muito bom o contato com os jovens, foi uma acolhida muito boa. A sala de defesa tem 20 lugares e acho que não vai caber todo mundo. Alguns amigos que não poderão vir já me escreveram para desejar boa sorte.”

Saúde

Ela percorre os corredores e sobe as escadarias da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP com vitalidade, cumprimenta funcionários e colegas com simpatia. Não lhe falta jovialidade ao circular pelo prédio.

“Não sei como seria se não tivesse contato com os jovens. Olho no espelho e tomo um susto. Vejo uma velhinha e não sou eu. Com a minha atividade, me sinto igual aos meus colegas. Eu me sinto jovem, mas tenho experiência.”

Os cuidados com a saúde também ajudam. “Eu como de tudo, mas cuido para não engordar. Não faço academia, mas faço 50 abdominais por dia e alongamento. Também gosto muito de viajar com a minha filha e com o meu marido. A gente pode andar 10 km e eu não sinto dor nenhuma nas pernas.”

A postura faz com que a filha, a fotógrafa Graziella Widman, de 40 anos, veja a mãe como um exemplo. “Acho muito legal a pessoa se reinventar nessa fase da vida, mostra que as coisas não acabaram. Ela é muito ativa, gosta de viajar. Ela e meu pai não se acomodaram. Não são pessoas que se aposentaram e ficaram em casa.” Além de Graziella, Julieta tem outros dois filhos e quatro netos.

Espanha, Inglaterra, Cuba, Turquia, Israel, França e Canadá estão entre os países que Julieta já conheceu. “Em maio do ano passado, fui com meu marido para Portugal. Viajamos de carro e eu dirigi”, diverte-se.

Aos sábados, Julieta se dedica à música. “Sempre estudei música. Tocava violino quando era adolescente, já toquei viola clássica quando meus filhos estudaram música. Estudei piano. Há dez anos, comecei a cantar no Coral da Cidade de São Paulo. Vamos nos apresentar no dia 1.º de novembro.”

Na quinta-feira, 29, foi um dia importante para Julieta. Ela fez uma prova para entrar no doutorado e, mesmo com toda a experiência, estava nervosa. “Estou tremendo. É uma prova dificílima”, disse. “No doutorado, acho que vou aprofundar o que fiz no mestrado. Preciso emendar uma coisa na outra. Na minha idade, cada ano é importante.”