A atriz Nicole Puzzi, de 65 anos, acaba de estrear como coautora de teatro na peça “Quem Vai Ficar Com Juca”, que está em cartaz no Rio de Janeiro. Apesar de ficar satisfeita com o resultado do trabalho em parceria com o escritor e diretor Fernando Cardoso, a artista lamenta a falta de oportunidade para profissionais de sua idade.

“A rejeição aos artistas idosos se assemelha ao que acontece em muitas empresas em relação aos funcionários deterceira idade. Os jovens não percebem que eles próprios serão idosos no futuro, a menos que morram antes”, alfineta.

Mãe e avó, Nicole afirma também se incomodar com a pressão em cima das mulheres fora do ambiente profissional. “Quando digo que tenho 65 anos, respondem: “Nossa não parece”. “Como não? Será que com 65 anos, eu deveria estar acabada?”, reage a atriz, que também está no elenco do longa “A Noite Das Vampiras”, disponível em várias plataformas de streaming.

Ícone da Pornochanchada nas décadas de 1970 e 1980, ela diz se orgulhar do trabalho no cinema nacional apesar dos desafios enfrentados na carreira. “Sinto apenas pelo desconhecimento e pelos julgamentos precipitados em relação aos filmes que fizemos na região da Rua do Triunfo. Eu fazia cinema nacional. Agora, meu foco é falar sobre essa nova etapa e minha vida atual”, explica ela, que atuou nos filmes ¨O Prisioneiro do Sexo (1978), Ariella (1980) e Eros, o Deus do Amor (1981).

Ex-affair de Belchior, que morreu em 2022, Nicole recorda de um romance rápido e intenso com o cantor e diz ser, atualmente, “adepta da solitude”. “Jamais traria alguém pra morar comigo e nem estou preparada pra morar na casa de outra pessoa”, pontua a artista, que deseja seguir escrevendo e atuando. “E, principalmente vivendo minha vida como eu gosto. O melhor momento de nossas vidas é agora, nesse instante”. Confira a entrevista completa concedida à IstoÉ Gente.

ISTOÉ GENTE:  Como foi executar o trabalho como autora de “Quem vai ficar com Juca”?

NP: Foi uma experiência incrível, sem dúvida. O diretor e coautor, Fernando Cardoso, sempre demonstrou grande apreço pelo que eu escrevo. Ele teve a ideia de criar uma peça em que um casal, após a separação, disputa a guarda de um cachorro, algo bastante pertinente nos dias de hoje. Reconhecendo meu profundo conhecimento em comportamento canino, ele me convidou para a empreitada. Inspirada em meu próprio vira-lata, o adorável Dr. Sheldon Cooper, dei vida ao personagem Juca. A personalidade amorosa e a tendência “espertinha” do meu cão se refletiram em Juca.

O ator André Kirmayr capturou de maneira magistral a essência canina, trazendo Juca à vida de forma cativante. Aliás, o nome Juca foi uma homenagem ao Juca de Oliveira, com quem tive a oportunidade de trabalhar em “Meno Male”. O trabalho, coescrito por mim, Danilo Thomaz e Fernando Cardoso foi enriquecido pela incrível atuação de Ellen Roche e Guilherme Chelucci, ambos talentosíssimos. Estou extremamente grata por fazer parte deste projeto memorável.

ISTOÉ GENTE: Você ajuda uma ONG Animal. Explique como funciona o projeto.

NP: Sou madrinha do Instituto Abrigo Chácara da Dolores há muitos anos. Durante esse período, tive o privilégio de resgatar, cuidar e encontrar lares amorosos para inúmeros cães. Esta experiência tem sido maravilhosa, ajudou-me compreender profundamente os animais e suas necessidades. Dolores é um anjo que abriga cerca de 300 cães, muitos dos quais idosos ou com deficiências. Todos eles compartilham uma história em comum: o abandono. No entanto, é uma realidade dolorosa testemunhar esses animais envelhecendo em suas baias, sem a sensação de terem um lar onde possam ser chamados de filhos ou filhas.

Precisamos de ajuda. Cada contribuição faz uma diferença significativa. Com humildade, pedimos que considere doar, mesmo que seja a partir de 1 real. Cada valor, por menor que pareça, é um passo em direção à melhoria da vida desses animais.

Doe – Pix utilizando o CNPJ: 32.709.139/0001-03. Para quem deseja contribuir de outras maneiras, convido a nos seguir no Instagram @abrigochacaradadolores.

ISTOÉ GENTE: Aos 65 anos, você já sofreu com o etarismo? (preconceito contra pessoas por causa de sua idade)

NP: No meu dia a dia, sofri com pessoas ignorantes que me discriminaram por causa da minha idade, mas isso não me afetou muito. Mesmo assim, chamei a polícia. Em um ensaio, um rapaz me atacou verbalmente. Foi terrível considerando que ele conhecia bem o peso do preconceito, por causa de sua etnia. Porém, o pior problema é ver atores jovens sendo envelhecidos em programas de TV e peças de teatro, enquanto atores idosos enfrentam  dificuldades de desemprego. Por isso, decidi escrever minhas próprias peças, e, caso sejam produzidas, irei contratar pessoas acima dos 40 anos, além de dar oportunidades a técnicos experientes que são ignorados devido à idade.

A rejeição aos artistas idosos se assemelha ao que acontece em muitas empresas em relação aos de terceira idade. Os jovens não percebem que eles próprios serão idosos no futuro, a menos que morram antes. Socialmente, as mulheres são moldadas por normas culturais e expectativas de gênero. Enfrentam pressões em relação à aparência física e à juventude, enquanto os homens podem ser influenciados pela ideia de manter a força e a virilidade. Já percebeu que quando fazem matérias sobre o antes e depois de artistas, em geral, mostram mais mulheres do que homens? É muita pressão encima das mulheres. Quando digo que tenho 65 anos, respondem: ¨Nossa, não parece¨. Como não? Será que com 65 anos, eu deveria estar acabada?

ISTOÉ GENTE: Você também está no filme “A noite das vampiras”, como surgiu essa oportunidade?

NP: “A Noite Das Vampiras” virou um sucesso impressionante. Eu esperava o sucesso, mas não essa loucura maravilhosa. O diretor Rubens Mello (eleito sucessor de Zé do Caixão em 1999) me convidou para integrar o elenco. Adorei, pois sou fã de terror B e essa é a categoria do nosso filme. Convivemos em um ambiente agradável de filmagem. Sem estresse, só gente boa. Reencontrei amigas irmãs de anos, como Debora Muniz e Liz Vamp, e fiz novas amizades que preservo até hoje. Aliar trabalho à amorosidade promove um excelente trabalho e energias positivas.

ISTOÉ GENTE: Caso você recebesse algum convite para voltar a atuar em alguma novela na TV, você aceitaria?

NP: Se alguém me convidasse, aceitaria de bom grado. Porém, acho que não estou sendo considerada por nenhuma emissora (risos) porque tive um problema chamado TDI, Transtorno Dissociativo de Identidade, desde a infância. Só fui saber disso depois de entrar na Companhia Teatral Os Satyros, em São Paulo, no ano de 2021. Foi o Ivam Cabral, sócio e dramaturgo da Companhia, que me ajudou, com muita paciência e compreensão. Ele me indicou uma psiquiatra conhecida dele, que, finalmente, fez o diagnóstico correto. Depois, outros três psiquiatras confirmaram o mesmo diagnóstico.

Enfim, estou bem, agora, sendo eu mesma – alguém alegre, carinhosa e equilibrada. Se soubesse o diagnóstico antes, talvez não tivesse sofrido tanto e não teria perdido tantas oportunidades. Só para constar, nunca tive manifestação física, ou seja, não havia possessão. Havia dissociação internamente, o que, de fato, modificava profundamente minhas atitudes independente de minha vontade. Não era nada espetacular, era dolorido. Já tinha procurado vários psiquiatras, pois sabia que havia algo errado. Hoje, sou grata por ser a pessoa que sou, a pessoa real que deveria ter sido em toda minha vida, porém, não foi assim. E aceito tudo com naturalidade e, atualmente, tenho muita atenção e carinho por mim.

ISTOÉ GENTE: O que te deixa feliz hoje em dia?

Estou contente com quem sou. É incrível renascer e enxergar as “cores” através dos meus olhos, sentimentos e personalidade única. Neste momento, tenho amigos muito próximos e sou abençoada por ter o cão mais gentil do mundo, o DR Sheldon Cooper, e minhas cadelinhas, que me proporcionam alegria. A minha casa é um refúgio e, mesmo tendo me “aposentado” (risos), aproveito ao máximo cada dia. Tenho uma filha que amo profundamente e nossa relação é ótima.

No âmbito profissional, estou vivendo uma fase muito criativa, dedicando-me à escrita. Estou desenvolvendo uma peça inspirada na filosofia de Nietzsche. Tive a oportunidade de me aprofundar nos ensinamentos dele, embora não me considere uma especialista – afinal, quem pode se considerar uma especialista em Nietzsche? Enquanto morava na Itália, visitei Weimar para sentir o local por onde ele passou e explorei o museu. Essa experiência foi ao mesmo tempo angustiante e maravilhosa.

Além dos estudos, mergulho na literatura clássica de autores brasileiros que servirão de base para minha nova peça de teatro. Também estou finalizando um roteiro de terror para futura filmagem, com o diretor Rubens Mello. Recebi um convite da produtora Maura Cardoso para um Podcast e, para completar, fui homenageada com um cineclube que leva o meu nome. Acho que posso dizer que estou verdadeiramente feliz.

ISTOÉ GENTE: Como está a vida amorosa de Nicole Puzzi?

NP: Como dizia Paul Tillich, “na solitude, conseguimos entrar em contato com nosso mundo interno, colocar os pensamentos em ordem e observar o significado das nossas emoções.” Gosto disso. Sou adepta da solitude. Jamais traria alguém pra morar comigo e nem estou preparada pra morar na casa de outra pessoa.

ISTOÉ GENTE: Como se sente quando as pessoas ainda associam o seu nome com à Pornochanchada?

NP: Sinto apenas pelo desconhecimento e pelos julgamentos precipitados em relação aos filmes que fizemos na região da Rua do Triunfo. Eu fazia cinema nacional. Hoje, já não sou mais aquela jovenzinha bonita das telas, embora muitos ainda se sintam encantados por essa imagem. Pretendo passar um tempo sem mencionar essa fase.

Agora, meu foco é falar sobre esta nova etapa e minha vida atual. Por outro lado, nunca dei muita importância às opiniões alheias. Elogios não me derretem e ofensas não me deixam nervosa. Trabalhei e continuo a trabalhar no cinema. Sou uma parte do cinema nacional e isso me orgulha.

ISTOÉ GENTE: Como foi o romance que viveu com Belchior?

NP: Tive o privilégio de conhecer esse grande gênio da música nacional. Tivemos um romance rápido e intenso. Ambos estávamos no início de nossas carreiras. Muita viagem, muita correria acabou nos afastando, mas o respeito e a amizade permaneceram. Chorei muito ao saber de sua morte. Tinha esperança de revê-lo.

ISTOÉ GENTE:  O que pretende fazer na carreira e o que almeja para o futuro?

NP: Continuar escrevendo, isso me dá paz. E atuando, pois, antes de tudo, sou uma atriz. E, principalmente, quero seguir vivendo minha vida como eu gosto. O melhor momento de nossas vidas é agora, nesse instante.