Primeiro a apresentar seu voto, Alexandre de Moraes concluiu que réus "praticaram todas as infrações penais imputadas pela Procuradoria-Geral da República" e votou por condenação.A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta terça-feira (09/09) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus do núcleo principal no processo sobre tentativa de golpe de Estado em 2022.
Moraes vota por condenar Bolsonaro e outros sete réus por por tentativa de golpe de Estado
O ministro Alexandre de Moraes votou na tarde desta terça-feira (09/09) para condenar o ex-presidenteJair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado.
Relator do processo penal contra o principal núcleo crucial da trama golpista, Moraes foi o primeiro a votar no julgamento. Ainda faltam os votos de quatro outros ministros da turma – Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. O próximo a votar é Dino.
Na leitura do seu voto, Moraes concluiu que réus "praticaram todas as infrações penais imputadas pela Procuradoria-Geral da República".
Segundo ele, as investigações apontaram "não haver nenhuma dúvida de que houve tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito" liderada por Bolsonaro.
"Jair Bolsonaro exerceu o papel de líder da organização criminosa, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação do projeto autoritário de poder", declarou Moraes.
A expectativa é de que o julgamento seja concluído até a próxima sexta-feira.
"Jair Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa"
"Jair Messias Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa e recebeu ampla contribuição de integrantes do governo federal e das Forças Armadas, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para a implementação de seu projeto autoritário de poder, conforme fartamente demonstrado nos aulas", disse Moraes em seu voto.
"O que ocorreu em 8 de Janeiro foi a conclusão de um procedimento de tomada, de manutenção do poder, a qualquer custo, por um grupo político que, lamentavelmente, se transformou numa organização criminosa, disse Alexandre de Moraes em seu voto
Ainda segundo Moraes, a organização criminosa liderada por Bolsonaro permaneceu ativa de julho de 2021 até 8 de janeiro de 2023. "A organização criminosa narrada na denúncia pela PGR realmente iniciou a prática das condutas criminosas, com atos executórios concretos e narrados anteriormente, desde meados de julho de 2021, e permaneceu atuante até 8 de janeiro de 2023."
Moraes: Não á crível achar que plano para matar Lula não foi discutido com Bolsonaro
O ministro Alexandre de Moraes citou no seu voto o chamado Plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato de Lula, do seu vice Geraldo Alckmin e dele próprio, e disse que não achava razoável acreditar que ele não teria sido discutido com Bolsonaro.
Segundo a Polícia Federal, esse plano teria sido elaborado por alguns militares das Forças Especiais do Exército, conhecidos como kids pretos, para evitar a posse de Lula e Alckmin.
"A unidade de desígnios, a divisão de tarefas da organização criminosa hierarquizada perante a liderança de Jair Bolsonaro, resta fartamente comprovada nos autos. E mais, o general Mário Fernandes, que era o segundo do general [Luiz Eduardo] Ramos na secretaria de governo do Palácio do Planalto, imprime dia 9 de novembro o documento do Punhal Verde e Amarelo. Na mesma data, se dirige ao Palácio do Alvorada, para conversar com Jair Messias Bolsonaro", afirmou Moraes.
"Não é crível, não é razoável, achar que Mário Fernandes imprimiu no Palácio do Planalto, se dirigiu ao Palácio do Alvorada, onde lá estava o presidente, ficou uma hora e seis minutos e fez barquinho de papel, com a impressão do Punhal Verde e Amarelo. É ridicularizar a inteligência do tribunal", disse o ministro.
Moraes afirma que Brasil "quase" voltou a ter uma ditadura
O voto do ministro Alexandre de Moraes fez algumas referências ao risco de que um eventual golpe de Estado em 2022 poderia ter revivido experiências que o país teve durante a ditadura militar, que durou de 1964 a 1985.
"Não é possível normalizar. O Brasil demorou a atingir a sua democracia. Tivemos 20 anos de ditadura, de torturas, as pessoas sumiam, eram mortas. Não é possível banalizar esse retorno a esses momentos obscuros da história que já tivemos. E a prova é farta", afirmou.
Ele disse que o Brasil "quase" voltou a ter uma ditadura porque "uma organização criminosa, constituída por um grupo político, não sabe perder eleições. Porque uma organização criminosa, liderada por Jair Bolsonaro, não sabe que é um princípio democrático e republicano a alternância de poder".
Moraes em seguida frisou que, em uma democracia, quem perde vira oposição e disputa as próximas eleições. E quem ganha assume e tenta se manter nas eleições pelo voto popular. "Não tenta se manter utilizando órgãos do Estado. Não tenta se manter coagindo, ameaçando gravemente, deslegitimando o poder judiciário do seu país e a Justiça Eleitoral", disse. "Isso não é democracia, isso não é Estado Democrático de Direito."
Moraes cita método de Bolsonaro e aliados para difundir mentiras sobre as urnas
Durante a leitura do voto, Moraes fez diversas referências a tentativas de Bolsonaro e de seu entorno de questionar as urnas eletrônicas e de inflamar versões não comprovadas de que elas seriam suscetíveis a fraudes.
Ele lembrou, por exemplo, uma live realizada por Bolsonaro em 29 de julho de 2021, no início de seu mandato, "com graves ameaças e grande divulgação de desinformação sobre a Justiça Eleitoral".
Os argumentos do presidente, segundo o ministro, eram depois amplificados por uma rede organizada de divulgação. "Todas essas mentiras, criminosas, eram imediatamente massivamente disseminadas pelas milícias digitais", afirmou.
"Todos acompanharam o procedimento executório de deslegitimação de algo que sempre foi considerado um patrimônio nacional, um grande orgulho do Brasil, que são as urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral, as eleições livres e periódicas desde a redemocratização", disse Moraes.
Ele lembrou ainda como a Polícia Rodoviária Federal, no dia das eleições de 2022, fez bloqueios seletivos para fiscalizar veículos de passeio e ônibus especialmente na região Nordeste – onde o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva teve seu maior percentual de votos.
"Eu determinei que a PRF não estava autorizada a realizar essa operação específica que claramente já demonstrava o seu viés ilícito. (…) Mas, no dia, fez uma suposta operação para verificar a condição dos veículos. Nos acessos aos municípios onde um dos candidatos tinha tido mais votação, os veículos eram parados para verificar o pneu, o chassi, o banco", disse Moraes.
Moraes: Bolsonaro liderou organização para tentar golpe de Estado
O ministro Alexandre de Moraes apresentou na leitura de seu voto um organograma no qual aponta o ex-presidente Jair Bolsonaro como "líder" de uma organização criminosa para tentar dar um golpe de Estado em 2022.
"Sobre a liderança de Jair Messias Bolsonaro, é de se verificar que, durante o período de julho de 2021 até 8 de janeiro de 2023, essa organização criminosa, com divisão de tarefas de forma permanente e hierarquizada, o que caracteriza o crime de organização criminosa, praticou vários atos executórios", afirmou.
Moraes relembra ataques de Bolsonaro nos atos de 7 de Setembro de 2021
Em seu voto, Moraes fez diversas referências à participação de Bolsonaro em atos de 7 de Setembro de 2021.
Na ocasião, durante a pandemia de covid-19, o então presidente fez referências em tom de ameaça ao Supremo Tribunal Federal e disse que iria descumprir ordens judiciais.
Bolsonaro afirmou naquele dia: "Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais."
"Ou esse ministro [Moraes] se enquadra ou ele pede para sair", disse. "Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Deixa de oprimir o povo brasileiro, deixe de censurar o seu povo."
Para Moraes, essas declarações provocaram uma "grande crise institucional" e instigaram "milhares de pessoas presentes contra o poder judiciário, contra o Supremo Tribunal Federal, contra os seus ministros".
Moraes afirma não haver "nenhuma dúvida" de tentativa de golpe
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que considera não haver "nenhuma dúvida" de que "houve tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, de que houve tentativa de golpe, promovida por uma organização criminosa que gerou dano ao patrimônio público".
"Esse julgamento não discute se houve ou não tentativa de golpe, se houve ou não tentativa de abolição ao Estado de Direito. O que se discute é a autoria, se os réus participaram", afirmou.
Moraes defende validade da delação de Cid
No início de seu voto, o ministro Alexandre de Moraes votou pela validade da delação do tenente-coronel Mauro Cid, que trouxe elementos de prova usados para embasar a ação penal contra Bolsonaro e os demais réus.
A defesa de alguns dos réus havia argumentado que a delação de Cid não seria válida e que, portanto, deveria ser anulada. O advogado José Luis Mendes de Oliveira Lima, que defende o general Walter Braga Netto, por exemplo, afirmou que seu cliente pode ser condenado a morrer na cadeia com base em uma "delação premiada mentirosa" de Mauro Cid.
"Não há a menor dúvida de que a voluntariedade nesse acordo de colaboração premiada ficou à margem. [Mauro Cid] Foi coagido sim, e quem falou não foi este advogado, quem falou foi ele", disse Oliveira Lima na semana passada.
Para Moraes, a delação foi regular e já teve sua validade avaliada durante o recebimento da denúncia, e que eventuais contradições e omissões nos depoimentos de Cid deveriam ser analisadas em um momento posterior, na hora de definir qual benefício de redução de pena ele teria direito.
"A sua regularidade e voluntariedade foi amplamente debatida no recebimento da denúncia, ressalto ainda que a própria defesa do réu colaborador reafirmou a total voluntariedade e regularidade da colaboração premiada e afastou qualquer indício de coação”, afirmou o ministro. "Afasto todas as alegações de nulidade em relação à colaboração premiada."
Ministros começam a apresentar seus votos
A sessão desta terça-feira dá início à apresentação de votos dos ministros.
O primeiro a ler seu voto será Alexandre de Moraes, relator desse processo e de outros processos e inquéritos sobre Bolsonaro no STF.
Depois, apresentarão seus votos, nesta ordem, os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
O julgamento começou na terça-feira da semana passada, com a leitura do relatório por Moraes, seguida da sustentação oral do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Em seguida, advogados de quatro dos oito acusados apresentaram seus argumentos: tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça.
Na quarta-feira passada, houve a sustentação oral das defesas de outro quatro dos réus: Jair Bolsonaro, ex-presidente; general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro em 2022.