A vida imita a arte e arte imita a vida. Essas duas questões traduziram de forma enfática a vida e obra de Sidney Poitier, justamente festejado como um dos maiores atores dos EUA. Somente alguém com profunda fé e convicção na vontade humana de superar os obstáculos teria acreditado na possibilidade de vencer pelo talento em um ambiente de extrema hostilidade que, injustamente não reconhecia qualidades e capacidades num homem negro, sequer para as coisas banais da sociedade norte-americana da sua época.

Em um tempo em que os espaços estavam demarcados com riscas de giz pelo apartheid racial e depois num momento histórico turbulento, no qual essa sociedade discutia se negros e brancos eram portadores da mesma inteligência e se poderiam sentar nos mesmos bancos de ônibus e beber água nos mesmos bebedouros, a aparição e permanência de Poitier nas telas de lares de seu país e em diversos locais no mundo, permitiu amplificar a contradição, ampliar a discussão, e ao mesmo tempo construir os argumentos de persuasão que ao final venceram.

Se o negro Poitier podia representar, debater e contestar com tanta competência e grandiosidade os temas das ruas no universo da arte, e com isso tocar, despertar e desafiar nossos sentidos, porque deveria ser impedido de manusear esses mesmos talentos para tocar e desafiar os sentidos da vida real? E se o fazia com tamanha aptidão deveria ser digno do reconhecimento social e artístico independentemente de qualquer questão política ou social.

Sidney Poitier viveu com galhardia, morreu com dignidade e deixa um legado de desafio e inspiração para cada um de nós

Foi esse o veredicto representado no Oscar de melhor ator concedido pela primeira vez a um ator negro, que ao final consagrou para os estadunidenses e amantes do cinema no mundo inteiro a compreensão de que a maestria no trabalho individual será sempre maior e mais importante que qualquer obstáculo artificiosamente colocado a sua frente. Tanto na vida mundana como no mundo da imaginação das telas hollywoodianas, o maravilhoso encontro entre realidade e ficção a partir da vida e da obra de Poitier permitiu que as vidas mais afortunadas celebrassem uma fantástica e grandiosa personalidade.

Poitier viveu com galhardia, morreu com dignidade e deixa um legado de desafio e inspiração para cada um de nós. Nenhuma construção artificial pode limitar o talento humano e muitos menos determinar seu destino. A capacidade criativa humana habita corpos e mentes de todos os indivíduos e só precisam de oportunidades justas e iguais para jorrar. Para nós que ficaremos um pouco mais, um justo réquiem ao nosso eterno mestre; com carinho.