Um aviso falso de bomba em um avião da Ryanair, no último dia 23, é o responsável pela nova crise política no Leste Europeu, uma região conturbada que vive em permanente tensão pela tentação expansionista russa. O aviso falso era uma armadilha para que o ditador Alexander Lukashenko, da Belarus, conseguisse prender um opositor, o jornalista Roman Protasevich, de 26 anos, e sua namorada Sophia Sapega, de 23. O voo de Atenas (Grécia) a Vilnius (Lituânia) acabou pousando em Minsk, capital da Belarus. A estratégia funcionou e a polícia deteve o dissidente. A Rússia apoiou a operação e não comentou nem a prisão de Sophia, que é cidadã russa.

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REPRESSÃO Protasevich foi detido pela primeira vez em 2017 (Crédito:Sergei Grits)

Foi um escandaloso ato de pirataria aérea, em flagrante desrespeito às normas internacionais de aviação. E também terrorismo de Estado. A reação imediata partiu da União Europeia, ultrajada que um voo comercial entre duas das suas capitais tenha sido interceptado. Além de congelar um pacote de 3 bilhões de euros, a UE fechou seu espaço aéreo para voos vindos da Belarus e aconselhou suas empresas a não voarem ao país. “Foi uma ação bem ao estilo soviético. O próprio Lukashenko é um dos grandes resquícios da União Soviética, 30 anos após o fim da superpotência”, comenta Clayton Pegoraro, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. O especialista em Relações Internacionais destaca que a detenção ilegal do jornalista foi um fato grave “do ponto de vista político e também da aviação civil”.

NEGAÇÃO Para combater o coronavírus, o ditador sugeriu beber vodca (Crédito:ONLINER.BY/AFP PHOTO )

“A Europa questionou a má-fé do governo da Belarus”, diz Karla Borges, professora de Relações Internacionais da ESPM. Ela lembra que a Convenção de Chicago, de 1944, regula o tema. “Foi mais um episódio que mostrou o desconforto nas relações entre a União Europeia e a Rússia. Existem outros problemas mais sérios na região, como a Ucrânia (vizinha da Belarus), que é um país muito sensível para os europeus por causa do abastecimento de energia”, observa. A líder da oposição, Svetlana Tikhanovskaya, diz que a polícia torturou o jornalista. Ela vive na Lituânia desde o ano passado, após concorrer às eleições presidenciais e denunciar fraude no pleito. Precisou fugir por temer Lukashenko, que também havia prendido o seu marido.

A ONU recebeu pelo menos 450 denúncias de torturas desde 2020, quando o autocrata conquistou seu sexto mandato consecutivo

Já Protasevich tornou-se nos últimos anos uma das principais vozes da oposição. Ele co-fundou e ajudava a operar o serviço de notícias Nexta, crítico ao autocrata. Em 2017, foi preso em Minsk em passeata contra Lukashenko, que está no poder desde 1994 e é conhecido como o “último ditador da Europa”. O Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU recebeu pelo menos 450 denúncias de torturas e maus tratos a pessoas detidas pelo governo após as eleições de 2020, que deram o sexto mandato ao ditador e não foram reconhecidas pela comunidade internacional. As exceções são Rússia e China.

FARSA Aeronave da Ryanair foi escoltada por um caça e obrigada a pousar em Minsk sob falsa ameaça de bomba (Crédito:AFP)

O ditador da Belarus também é negacionista e diz acreditar que a epidemia da Covid-19 pode ser curada com vodca. “Não bebo, mas digo que as pessoas deveriam lavar as mãos com vodca e também beber um drinque por dia para matar o vírus” afirmou. Outras maneiras de evitar o coronavírus, disse, são ir à sauna e dirigir tratores. Por se tratar de um país periférico, esse líder folclórico até hoje conseguiu se safar da pressão internacional pela normalização democrática. Manteve-se com a ajuda dos aliados russos. Agora, o temor é que o presidente Vladimir Putin use o incidente para aumentar ainda mais sua influência. Se depender apenas dos subsídios ocidentais, agora suspensos pela UE, Lukashenko e os belarussos não terão mais dinheiro para comprar vodca e tratores.