A aprovação recente de três empréstimos bilionários para investimentos empresariais pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sinaliza que, em seu novo papel na economia, a instituição de fomento não abandonará totalmente o crédito, mas aponta também para uma percepção de melhora no cenário econômico no médio prazo. A avaliação é do diretor de Crédito e Garantia do banco, Petrônio Cançado.

Em outubro, foram dois empréstimos bilionários para o setor elétrico: R$ 1,76 bilhão para a Chimarrão Transmissora de Energia S.A., concessionária da linha de transmissão de 1,2 mil quilômetros que escoará a produção de parques de geração de energia eólica no Rio Grande do Sul, e R$ 1,26 bilhão para um parque de geração eólica da Engie, na Bahia. Semana passada, a fabricante de papel e celulose Klabin anunciou a contratação de R$ 3 bilhões com o BNDES, para financiar a expansão da fábrica de embalagens no Paraná – projeto anunciado em abril, com investimento total de R$ 9,1 bilhões.

Cançado chegou ao BNDES em agosto, para compor a equipe do presidente Gustavo Montezano, no comando desde julho. Até o início de 2020, o diretor pretende terminar estudos internos sobre o novo papel do banco de fomento no crédito. O objetivo é atuar de forma complementar a fontes privadas de financiamento, num modelo em que o BNDES atua como um entre vários “bolsos” disponíveis para financiar os projetos de investimento e pode usar mais “todo o espectro de garantias”, em vez de apenas conceder crédito.

“O próximo passo é a gente fazer as coisas mais compartilhadas”, afirmou Cançado, em entrevista ao Estadão/Broadcast, lembrando que, no passado, “o BNDES fazia 100% do projeto”.

Um dos caminhos é o BNDES atuar como “estruturador” de pacotes de financiamento. Nesse caso, em vez de analisar apenas a concessão de um empréstimo que responda por uma fatia menor de uma série de fontes de financiamento, o banco de fomento seria contratado pelo cliente para assessorar na escolha dessas fontes e na composição entre elas. Ao mesmo tempo, o BNDES garantiria sua parte no financiamento, o que serviria como um “selo de qualidade” para atrair outros financiadores, preferencialmente privados.

Além disso, a parte do banco não precisa ser necessariamente em crédito. O BNDES pode financiar por meio de títulos de dívida (as debêntures). Nesse modelo, a empresa que procura o BNDES faz uma emissão de títulos e o banco garante a compra dos papéis.

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“O BNDES pode ter um papel de fazer emissões, estruturar operações e ser um originador de ativos para o mercado. Tenho sentido uma demanda, por parte de outros atores do mercado, como fundos de investimento e investidores, quase pedindo para o banco se colocar como originador de ativos”, disse Cançado.

A função de “originador” surge ao garantir a compra das debêntures e, eventualmente, vender os títulos antes de seu vencimento, movimentando o mercado financeiro.

“Está na meta do pessoal começar a usar mais esse tipo de instrumento”, afirmou Cançado, ressaltando que esse modelo pode ser testado com maior frequência “já para o ano que vem”. No passado, já houve outras tentativas do BNDES de adotar essa estratégia, mas, num ambiente de juros estruturalmente mais baixos, o apetite de investidores por debêntures, desde o ano passado, é maior e pode ser um impulso a mais.

Para Cançado, o empréstimo para a Klabin serve de exemplo “de como o mercado passa a funcionar hoje, usando vários bolsos”. No caso de uma grande companhia como a fabricante de celulose, ela própria estruturou o pacote de financiamento do investimento bilionário.

“O que a gente poderia fazer é montar todo o financiamento, sabendo desde o início que ia ficar só com um pedaço. Isso teria um valor muito grande, principalmente para empresas menores, que não têm essa capacidade”, disse o diretor. “O ponto principal é, de fato, o BNDES ter um papel complementar”, completou o executivo.

No caso dos dois empréstimos para o setor elétrico firmados em outubro, o BNDES pode ter aparecido como uma estratégia de diversificação, disse Cançado. A redução do crédito do banco de fomento foi acompanhada de forte crescimento nas emissões de debêntures no setor.

Para ficar apenas nos títulos incentivados – que têm alíquotas menores de Imposto de Renda (IR) por serem destinados à infraestrutura, com isenção para pessoas físicas -, o setor elétrico respondeu por 82% do total de R$ 24 bilhões emitidos no ano passado. Neste ano, até agosto, o setor ficou com 67% do total de R$ 16,6 bilhões em emissões, conforme dados da Anbima. Agora, depois de recorrer bastante aos títulos, algumas empresas estão voltando a recorrer em alguma medida ao BNDES.

Cançado frisou ainda que, como as operações com o BNDES geralmente têm valores elevados, a aprovação em sequência de financiamentos bilionários pode dar a impressão de que há retomada nos investimentos, mas, “da mesma maneira que ficar um período sem fazer não quer dizer que piorou muito, quando faz alguma coisa não é um sinal inequívoco” de melhora. Ainda assim, o diretor reconheceu que “já começamos a ver alguns sinais” de recuperação na economia.

“As pessoas estão mais confiantes de que pode haver um crescimento maior para o próximo ano. Isso começa a dar um pouco mais de confiança e começa alguma coisa a deslanchar e assinamos alguns contratos de financiamento, mas é muito sinal ainda”, disse Cançado.


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