O GRANDE LEITOR Ruy Castro: “a ferramenta que fazia girar o Rio de Janeiro nos anos 1920 era a palavra impressa” (Crédito:Divulgação)

O jornalista Ruy Castro é um personagem tão carioca que muita gente o chama de “Rio Castro”. Isso deve-se não apenas ao seu amor pelo Rio de Janeiro, mas pelos diversos livros que publicou em homenagem à cidade: Ela é Carioca (1999), Carnaval no Fogo: Crônica de uma Cidade Excitante Demais (2003) e Rio Bossa Nova (2006) são alguns deles, sem contar as biografias dedicadas a personagens como o Anjo Pornográfico, sobre o escritor Nelson Rodrigues, e Estrela Solitária, que retrata a vida do ex-jogador de futebol Garrincha. Seu livro mais recente, Metrópole à Beira-Mar – O Rio Moderno dos Anos 20 (2019), começa com um questionamento retórico: “O que aconteceu no Rio de Janeiro entre o Carnaval de 1919 e a Revolução de 1930? Tudo”, resume o escritor.

Ruy Castro é um cronista inveterado pelo Rio até mesmo quando não é ele quem está escrevendo. É o caso de As Vozes da Metrópole – Uma Antologia do Rio dos Anos 20, que sai agora pela Companhia das Letras. Fruto de uma extensa pesquisa, o livro reúne frases, peças de ficção, reportagens e poemas de personalidades da época, entre eles Ismael Nery, João do Rio, Lima Barreto, somando 41 nomes. A maioria dos autores está fora de catálogo há quase um século, por isso a obra tem valor não apenas por ser um charmoso retrato da então Capital Federal e única cidade com mais de um milhão de habitantes, mas pelo caráter de documento histórico que registra para as novas gerações a percepção dos influenciadores culturais da época. Chama a atenção as diversificadas origens dos autores, principalmente nos tempos em que o deslocamento não era coisa tão trivial assim: essa lista engloba desde Felippe D’Oliveira, poeta de Santa Maria da Boca do Monte, no Rio Grande do Sul, a Graça Aranha, romancista e diplomata de São Luís, no Maranhão. Isso reforça a ideia de que o Rio de Janeiro era mesmo uma grande metrópole, para onde tanto os aspirantes quanto os escritores já consagrados migravam em busca dos holofotes proporcionados pela atuação na imprensa.

As Vozes da Metrópole Ruy Castro Companhia das Letras, R$ 79

Foi uma era pujante na área da comunicacão impressa: havia cerca de vinte jornais diários em circulação, além de uma série de revistas semanais – só as “galantes”, como eram chamadas as semi-pornográficas, somavam cinco títulos. Havia ainda publicações voltadas para públicos restritos, como as colônias portuguesa e alemã, revistas mensais e almanaques, geralmente patrocinados por xaropes e outros produtos farmacêuticos. Segundo Castro conta na introdução do livro, a seleção dos textos foi feita durante os dez meses de quarentena, de março a dezembro de 2020, e extraídos de primeiras edições de livros, jornais e documentos encontrados em sebos. Na sua já conhecida valorização do espírito carioca, Ruy Castro cutuca os escritores de São Paulo e Minas Gerais ao citar as diferenças entre os temas sobre os quais tratavam nos anos 1920. “Ao contrário dos colegas de outras praças, obcecados pela destruição do soneto e dos pronomes bem colocados, os autores dessa antologia estavam atentos ao entorno: os conflitos sociais e políticos, as comédias e os dramas pessoais e humanos. E, sem dispensarem o humor e a leveza que são marcas do Rio, enxergavam a floresta, a árvore e a folha”, alfineta o autor. O alvo é certo: os modernistas paulistas e mineiros, mais sisudos nos conteúdo e na forma, na visão de Ruy Castro.

A bela edição começa pela capa, cuja ilustração mescla personagens cariocas a uma versão tropicalizada de Victory Boogie-Woogie, obra em que o pintor Piet Mondrian simulava as luzes alucinantes de Nova York. Além dos textos em si, Ruy Castro nos oferece uma coleção deliciosa de frases e aforismos, e termina o livro com biografias de cada um dos homenageados. Até quando não escreve seus próprios livros, Ruy Castro colabora para eternizar a cultura ligada ao Rio de Janeiro.

Pensamentos dos anos 1920

“Muitos que não gostavam de arte moderna agora gostam. Antes pensavam não gostar. Agora pensam que gostam”
Dante Milano, poeta e tradutor

“Um povo é tanto mais elevado quanto mais se interessa por coisas inúteis, como a filosofia e a arte”
Gilberto Amado, diplomata

“Sou contra o equilíbrio. Acho que a gente deve cair para poder levantar-se”
Alvaro Moreyra, dramaturgo

“A música é o silêncio em movimento”
Jayme Ovalle, compositor e poeta

“A vida estética não se opõe à vida filosófica ou religiosa. Por que não ser um teólogo que dança?”
Ismael Nery, pintor