Nas últimas quatro décadas, métodos contraceptivos químicos, hormonais e imunológicos para o homem têm sido testados por cientistas. Mas é um consenso entre eles que, até o momento, conseguir um que seja confiável e reversível é uma lacuna a ser preenchida na área. Na Índia, pesquisadores afirmam estar próximos de lançar o primeiro anticoncepcional masculino injetável: o Risug (Inibição Reversível do Esperma Sob Controle) está sendo desenvolvido por pesquisadores do Instituto Indiano de Tecnologia Kharagpur e instituições afiliadas e é considerado pelos cientistas uma alternativa à vasectomia, que, junto dos preservativos é uma das únicas opções de contracepção para homens disponíveis hoje.

O produto se encontra na fase três dos testes clínicos, etapa em que o tratamento é administrado em grupos de pacientes e tem seus efeitos adversos e valor terapêutico avaliados.

“O número de grupos de cientistas estudando novas estratégias aumentou muito; temos o nosso na Unesp e há também em países como Estados Unidos, Japão, Austrália e Canadá. Eu vejo com muito otimismo essa fase atual, porque houve uma maior conscientização social da importância de a gente ter novas formas de contracepção”, analisa Erik José Ramo da Silva, doutor em Farmacologia e professor do Departamento de Biofísica e Farmacologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Um artigo publicado pelos pesquisadores no periódico Basic and Clinical Andrology informa que, nessa fase de testes, a taxa de falha do Risug foi de 0,98%. Os voluntários do estudo foram observados por seis meses e, após esse período, 96% deles apresentaram azoospermia, quando não há espermatozoides no fluido ejaculado.

Esse é justamente o resultado esperado com o uso do anticoncepcional. O mecanismo de funcionamento é parecido com o da vasectomia, mas menos invasivo e facilmente reversível. Um gel composto pelo polímero anidrido maleico de estireno diluído em sulfóxido de dimetilo é injetado nos ductos deferentes para causar a sua obstrução.

“O homem ejacula, mas não tem espermatozoides no fluido ejaculado; o que é parecido com a vasectomia, mas não é preciso cortar o ducto deferente. Imagine que na vasectomia você destrói uma ponte e, com o Risug, entope um cano”, exemplifica o professor da Unesp.

Além do bloqueio físico, a substância também cria um meio com pH ácido, que rompe a membrana dessas células e destrói enzimas que fazem parte do processo de fertilização; o que torna os espermatozoides que têm contato com ela inférteis. A ideia veio da observação de testes para purificação de água em sistemas de abastecimento de áreas rurais da Índia. Um professor do Instituto Indiano de Tecnologia Kharagpur descobriu que, quando os canos estavam revestidos com o polímero, era possível eliminar as bactérias da água.

A aplicação do gel é realizada em uma cirurgia ambulatorial simples, com anestesia local, e os únicos efeitos colaterais registrados até o momento são relacionados a dor e inchaço no local da aplicação por algumas semanas. É esperado que seus efeitos durem cerca de dez anos e, no momento em que o paciente julgar necessário, a substância pode ser facilmente eliminada com uma injeção de bicarbonato de sódio e um anti-inflamatório.

Nova alternativa

O Risug representa uma nova perspectiva no que diz respeito à pesquisa para o desenvolvimento de anticoncepcionais masculinos. Além dele, um produto com funcionamento semelhante, chamado Vasalgel, está sendo desenvolvido nos Estados Unidos.

Uma das principais dificuldades é encontrar um método que tenha baixa latência para começar e para parar de agir, ou seja, cujos efeitos sejam rapidamente percebidos e encerrados. Isso é difícil porque frequentemente a ação dos métodos se dá sobre os espermatozoides, que são produzidos em uma frequência diária e contam com uma reserva no epidídimo. No caso de métodos hormonais, por exemplo, é preciso que o medicamento bloqueie essa produção e esgote as reservas.

“Para que isso se estabeleça, vai de três a quatro meses e nesse período o casal teria que usar outros métodos de contracepção, porque ainda pode ocorrer uma gravidez. O mesmo acontece para o retorno, em que seria preciso resgatar aquelas reservas espermáticas”, explica o professor.

Além de métodos hormonais e de vasoclusão (bloqueio do transporte do esperma), em que alguns produtos já chegaram a fases clínicas dos estudos, outras possibilidades para um anticoncepcional masculino são a diminuição da produção de gametas ou inibição de suas funções, como sua capacidade de interagir com o óvulo na fertilização ou sua locomoção.

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O último exemplo é o caso de um projeto desenvolvido na Unesp com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que busca afetar a motilidade (capacidade de se mover por conta própria) dos espermatozoides.

Um dos responsáveis pela pesquisa, Silva destaca que o objetivo do grupo é encontrar um composto capaz de inibir a Eppin (sigla em inglês para inibidor de protease epididimária), proteína espermática que desempenha um papel importante na motilidade das células e sua movimentação para chegar até o óvulo. Como o Risug, o método teria uma baixa latência e não afetaria a produção de esperma: “Em uma eventual pílula, ele atuaria direto no espermatozoide que já está pronto”.

Desafios

Além do desenvolvimento dos métodos em si, outro desafio na busca de um anticoncepcional masculino é conseguir com que a pesquisa seja financiada. Em 2020, o problema foi apontado pelos cientistas que trabalham no Risug como uma “grande preocupação que inibe o progresso” do produto.

“Inicialmente, o Risug atraiu o interesse de companhias farmacêuticas. Porém, considerando que ele é um procedimento de baixo custo e realizado apenas uma vez, os fabricantes recuaram. As companhias farmacêuticas são relutantes quanto a perseguir a ideia (de contraceptivos masculinos) para evitar perder os prósperos mercados globais de contraceptivos femininos e preservativos que valem bilhões todos os anos”, diz um trecho do artigo publicado pelos pesquisadores.

O pesquisador brasileiro concorda: “Falta realmente a gente trazer de volta a Big Pharma. Desde o início dos anos 2000, todas as grandes indústrias farmacêuticas fecharam seus projetos em contracepção masculina e está faltando um catalisador desse processo. Mas nos últimos 20 anos podemos perceber que houve um aumento do número de startups voltadas para esses estudos, o que é um ponto positivo”, avalia Silva.

Feminino

O primeiro anticoncepcional feminino, Enovid, foi lançado na década de 1960 em formato de pílula. Desde então, foram desenvolvidos e disponibilizados métodos injetáveis, implantes subdérmicos, adesivos e dispositivos intrauterinos.

De acordo com o farmacologista, a variedade trouxe avanços importantes no que diz respeito ao planejamento familiar, mas confere às mulheres o fardo de principais carreadoras das ações contraceptivas, arcando com a carga emocional, efeitos adversos e eventuais custos econômicos dos métodos utilizados. “Está mais do que na hora de promover maior igualdade de gêneros nessa tarefa, para que os parceiros possam dividir com elas essa tarefa e os riscos”, pontua.

Segundo um relatório do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em março deste ano, metade das gestações por ano ao redor do mundo não são planejadas. O porcentual corresponde a 121 milhões de gestações por ano, o que a agência classifica como uma “crise global de gravidez não intencional”. Desses casos, mais de 60% terminam em aborto, independente se o procedimento é legalizado e regulamentado nos países de origem das gestantes – o que resulta que 45% desses abortos não são realizados de forma segura.

Se o investimento no desenvolvimento de anticoncepcionais masculinos é importante, a aceitação dos métodos entre a população masculina também é um fator que pesa quando o assunto é evitar gravidezes indesejadas e dividir o fardo do planejamento reprodutivo. Ainda que esses métodos ainda não estejam disponíveis no mercado, pesquisas tentam medir a recepção dos produtos há pelo menos quatro décadas.

“Entre 1950 e 1960, os homens eram negligenciados por planejadores familiares mesmo depois de serem parte da unidade familiar. Companhias farmacêuticas eram relutantes em investir no desenvolvimento de contraceptivos masculinos. Havia vários equívocos e desconfiança sobre efeitos colaterais como perda de libido e da chamada ‘masculinidade’”, diz um trecho do artigo publicado pelos cientistas indianos que desenvolvem o Risug.

Pesquisas

Em uma pesquisa sobre métodos hormonais realizada com homens de Edimburgo, Cidade do Cabo, Xangai e Hong Kong em 2000, a maioria (de 44% a 83%) deles disse que provavelmente ou definitivamente usariam uma pílula anticoncepcional masculina. Os números variaram de acordo com a localidade e as características demográficas e sociais dos entrevistados e se mostraram maiores quando eles podiam optar por uma variedade maior de opções (pílula, injeção ou implante).

Em 2004, outro estudo entrevistou homens de 18 a 50 anos em nove países, incluindo o Brasil. A aceitação de um método de controle de fertilidade masculina hormonal foi de aproximadamente 55%. As opções eram entre uma pílula oral diária, injeção, adesivo e aplicação de um gel ou creme, que tiveram diferentes níveis de receptividade em diferentes regiões e também tiveram influência do perfil social e demográfico de cada entrevistado. As duas pesquisas foram publicadas na revista científica Human Reproduction, da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia.