Se confirmado o que indicam os últimos levantamentos, o dia 7 de outubro, data da votação e escrutínio das urnas, ficará marcado na história brasileira como a eleição do “anti”. O paradoxo se explica: para além dos aspectos positivos que deveriam marcar a escolha pelo eleitor do perfil do candidato a presidente da sua preferência, o que definirá o pleito são os aspectos que o cidadão enxerga nos concorrentes que ele de modo algum deseja que tenham sucesso. Assim, o menos rejeitado – entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), os primeiros colocados e favoritos para alcançar o 2º turno – triunfará. A duas semanas do pleito, a eleição virou um plebiscito entre os que abraçam a volta do lulopetismo e aqueles que o reprovam a toda prova. No meio dos extremos, uma população que avalia os riscos de ameaças como corrupção, compadrios, afronta à Justiça e às instituições ou autoritarismo, preconceitos, violência e atentados à democracia. Engolfada pela onda de polarização e maniqueísmo que tomou conta do país, ela olha para os dois candidatos que mais rejeita e avalia qual deles seria o menos pior para governar o país pelos próximos quatro anos.

Hoje, quem encarna o anti-PT é Bolsonaro, desaguadouro da esmagadora maioria do chamado voto útil nos últimos dias. O presidenciável Geraldo Alckmin, do PSDB, ensaiou exercer esse papel, mas faltou combinar com a população – e com os demais candidatos do chamado centro democrático, que até agora preferiram partir para vôos solos, em vez de caminharem para uma salutar unidade. No livro Ética a Nicômaco, sua mais importante obra dedicada à filosofia prática, Aristóteles se detém sobre aspectos para ele essenciais na conduta das pessoas na busca da felicidade. É quanto Aristóteles discorre sobre seu clássico caminho do meio. Ser covarde, para ele, é tão ruim quanto ser exageradamente arrojado: a coragem está no meio desses extremos. “A virtude irá consistir no “meio termo”, ou na “justa medida”, entre dois extremos”, disse. Não foi o que buscou o eleitor. Por aspectos e razões tão diversas – algumas justificáveis e compreensíveis, outras nem tanto – que seria complexo até para o filósofo explicar.

Os efeitos colaterais são visíveis. O lulismo, e todos os seus problemas anexos, desde o culto à personalidade até o casamento de papel passado com a corrupção, e o extremismo de direita, que o país experimentou no regime militar com triste memória, somado ao preconceito contra minorias, machismo e homofobia não atravessam incólumes ao sentimento de reprovação reinante no pleito. A despeito de liderarem a corrida presidencial, são os que despertam, quase que na mesma proporção, a ira de um eleitorado cada vez mais exigente e aparentemente ainda órfão de um candidato capaz de personificar seus anseios – este aspirante, a julgar pelos números das recentes pesquisas, não apareceu na eleição. Nesse contexto, na mesma medida em que os dois candidatos que passaram a rivalizar a disputa crescem entre as suas tribos, aumenta também sua rejeição. Num jogo de tudo ou nada de consequências perigosas. “O perigo disso tudo é que, confirmado o cenário, há uma grande possibilidade de o lado perdedor não reconhecer e reagir à vitória do lado vencedor”, teme o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), que liderou um movimento que tentou, sem sucesso, unir o centro em uma única candidatura. “Infelizmente, era claro o risco que havia de cristalização dessa situação”, segue Pestana, que prefere chamar o centro de campo democrático. “A pulverização do campo democrático cria essa polarização dos extremos radicais”, comenta ele.

 

Um último esforço

Durante a semana, movimentos como o tentado por Pestana ressuscitaram como forma de buscar uma solução que, a menos de duas semanas das eleições, evitasse essa polarização. É quase uma quimera a mudança do quadro, a essa altura da campanha, mas tentativas são feitas. Na segunda-feira 17, integrantes do grupo que procurou a união do centro foram ao encontro do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu escritório na fundação que leva seu nome, em São Paulo. Tentavam que FHC aceitasse ser o articulador de uma última tacada: um movimento homogêneo, na qual os candidatos que representam o centro – Geraldo Alckmin (PSDB), Alvaro Dias (Pode), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB) – se unissem retirando suas candidaturas em nome de somente um deles. No caso, Alckmin, o melhor colocado. Embora partidário da tese, FHC mostrou-se reticente em, a essa altura, tornar-se o construtor do entendimento. Para ele, não haveria mais tempo hábil. Também não se enxergou disposição dos candidatos em abrir mão da disputa. Especialmente, porque não haveria garantia de que o movimento pudesse de fato turbinar a candidatura tucana.

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OLHO NO 2º TURNO O comando da campanha de Bolsonaro estuda estratégias para reduzir a rejeição ao candidato (Crédito:Divulgação)

Ainda que não tenham FHC como comandante do processo, as tratativas para a união prosseguiam nos últimos dias, apesar do desânimo geral e crescente. “Confiamos que, diante do desastre, ainda haja esse bom senso”, disse um parlamentar tucano, que participa das articulações. Em outra reunião, na terça-feira 18, do PSDB com os partidos aliados do Centrão, discutiu-se uma projeção com a qual vêm trabalhando os analistas da campanha de Alckmin. Por essa projeção, uma espécie de último suspiro de uma candidatura que agoniza em praça pública, os analistas calculavam que Fernando Haddad viraria a semana de 23 de setembro à frente de Bolsonaro, com algo em torno de 26%. No mesmo sonho dourado, Bolsonaro murcharia para 22%. O trabalho, aí, seria fazer Alckmin se aproximar do candidato do PSL. “Se o candidato do PSDB virar a semana com um percentual em torno de 14% a 16%, ele poder atrair os votos dos que não desejam a polarização lulismo x bolsonarismo”, elucubra um tucano de alta plumagem. Fia-se num percentual de 21% que não declara seu voto a nenhum dos candidatos na disputa. O problema é que o sucesso da estratégia significaria fazer Alckmin, hoje em curva descendente, mais que dobrar sua performance.

Os tucanos lembram que uma aceleração na reta final já aconteceu nas últimas eleições com o senador Aécio Neves (MG). Em momento semelhante, ele aparecia atrás de Marina Silva, então candidata do PSB, após a morte de Eduardo Campos. Marina foi desconstruída na etapa final e ultrapassada por Aécio. Ocorre que hoje o ambiente é bem diverso, e Alckmin neste momento não é o terceiro, mas o quatro na disputa, atrás de Ciro Gomes (PDT), que tem 11%. E o destino do voto útil é a campanha de Bolsonaro, não a tucana. Para quem mantém seus pés ao alcance do chão, a reversão do cenário assemelha-se a um trabalho de Sísifo – aquele personagem que, conforme a mitologia grega, foi condenado à faina de rolar diariamente uma rocha montanha acima até que o peso e o cansaço promovidos pela fadiga fariam a pedra descer novamente ao chão para que, no outro dia, ele reiniciasse a fatigante tarefa.

Sem jogo parado

É como um jogo cujo placar está 3×0 para o adversário faltando 15 minutos e tudo precisa dar certo para a consagração de uma improvável virada. Sempre lembrando que os oponentes, melhores na partida até agora e donos das estratégias mais bem-sucedidas, não jogam parados. Por exemplo, nos comandos das duas campanhas que hoje polarizam, há também setores preocupados em amenizar os discursos, buscando tornar os candidatos menos radicais aos olhos dos eleitores. A campanha de Bolsonaro mantém conversas com um marqueteiro americano, Arick Wierson, que trabalhou com o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg. Wierson se integraria com dois objetivos: amenizar o perfil de Bolsonaro, principalmente para reduzir a rejeição no eleitorado feminino, e trabalhar o desafio de prosseguir numa campanha com o candidato internado no hospital.

ÚLTIMO SUSPIRO Alckmin tenta atrair os votos dos que não querem a volta do PT (Crédito:Divulgação)

Ordens da cela

Do lado de Haddad, prepara-se uma estratégia de modo a mostrá-lo como alguém moderado e aberto ao diálogo, como se isso fosse plausível num ressentido PT, partido que a todo custo tenta regressar ao poder para concretizar de uma vez seus planos de se vingar dos que o apearam do Planalto, trazendo com ele as práticas políticas já conhecidas – se é que é possível chamar a corrupção institucionalizada e o saque despudorado ao Estado de prática política. Interlocutores do petismo juram de pés juntos que tentam tirar do centro da cena a turma mais incendiária, a começar pela própria presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR) – uma tática estilo “engana trouxa”, por óbvio. Ainda está bem viva na memória de todos a presença de Haddad ao lado de Gleisi e de outros nos atos a favor de Lula, hoje condenado e preso. Como também não há como dissociar Lula e Haddad, para o bem e para o mal. A troca de candidatos deu-se em frente à Polícia Federal em Curitiba, marcando claramente a existência da tutela. E não há cidadão brasileiro hoje que não saiba que é Lula quem comanda da prisão em Curitiba toda a estratégia eleitoral de Haddad. E será Lula quem comandará Haddad da sala-cela da PF, caso o petista seja eleito. Se a menção a Lula atrai votos para Haddad, ela é também limitadora junto aos eleitores fora da polarização.

Os “anti” não constituem um fenômeno inédito na política. Quando os partidos exibem robustez, os sentimentos a favor se sobrepõem à rejeição. Não é o caso no Brasil de hoje. Segundo Carlos Meléndez, cientista político peruano, “o antipetismo é hoje a principal identidade política com capacidade de mobilização no Brasil”. Não significa, necessariamente, que vencerão, porque aqui grassa com semelhante força, embora de sinal trocado, o antibolsonarismo. Não por acaso, campanhas como “ele não”, promovida por mulheres, ganharam as ruas e as redes nos últimos dias, numa referência a Bolsonaro. Como cada ação no Fla-Flu político gera uma reação, o “ele não” provocou uma onda contrária “o outro também não”, em alusão a Haddad. No mundo, os “anti” colecionam vitórias e derrotas. Há países onde a coesão dos “anti” ganhou eleições. O antifujimorismo levou Pedro Pablo Kuczynski à Presidência do Peru, por exemplo. Em outros eles não articulam uma candidatura unitária e viável, como o antiuribismo disperso na Colômbia. No país da jabuticaba, porém, o “anti” não tem como perder: aqui temos quase um “anti” contra “anti”.

Corre, assim, o eleitor brasileiro para cumprir sua sina no início de outubro. Ver crescer a hipótese de sua escolha dar-se não pelo que mais lhe agrada, mas pelo que menos rejeita. Como alguém que, num restaurante, desse pela falta de todos os pratos, à exceção dos dois que menos lhe apetecem. O problema pode ser a indigestão depois.


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