O Sínodo que reúne bispos e laicos esboçou uma “mudança de cultura” na Igreja católica, deixando em suspense temas sensíveis como a homossexualidade, uma prudência que mascara profundas diferenças internas.

Desde 4 de outubro, os 365 membros da assembleia geral, procedentes de todos os continentes e assistidos por uma centena de especialistas, debateram a portas fechadas, no Vaticano, com o objetivo de finalizar um documento de 42 páginas, publicado no sábado (28).

Trata-se de um Relatório de Síntese antes de uma nova reunião dentro de um ano.

Apresentada como uma reflexão profunda sobre o funcionamento da Igreja, essa reunião abordou temas como poligamia, ordenação de homens casados, luta contra o abuso de menores e ecumenismo.

Essas questões preocupavam um setor conservador da Igreja, que temia que os debates levassem a uma distorção da doutrina, ainda mais com a “pequena revolução” contra o clericalismo, por parte do papa Francisco, que decidiu que laicos e mulheres poderiam votar pela primeira vez, como bispos e cardeais.

Ante o temor de divisões internas, que até deram origem a rumores de um cisma, os organizadores insistiram nas palavras “diálogo”, “fraternidade” e “escuta”, mas filtrando drasticamente as informações sobre o conteúdo dos debates.

Como sinal da importância desta “mudança de mentalidade”, revisou-se o formato desse órgão consultivo. Clérigos e laicos se sentaram juntos em torno de mesas-redondas, no mesmo nível e sem levar em conta posições hierárquicas.

– “Menos piramidal” –

“É o primeiro sínodo, no qual quase não houve bispos com batinas, ou símbolos distintivos. Há uma espécie de fraternidade, todo o mundo tinha o direito de falar”, disse à AFP o padre franco-alemão Christoph Theobald, um teólogo jesuíta que participou como especialista.

Segundo ele, esta assembleia marca uma evolução da “arquitetura da Igreja”, que se torna menos piramidal e coloca sobre a mesa a questão da “inclusão de pessoas, cujo estilo de vida difere do que a Igreja prega”, como os divorciados que se casaram novamente.

Sob a pressão das associações feministas que denunciam o “patriarcado” e a rigidez dogmática de uma instituição milenar, as reflexões sobre o papel da mulher ressaltaram a “urgência” de garantir sua participação na tomada de decisões.

Os participantes também propuseram “a pesquisa teológica e pastoral sobre o acesso das mulheres” ao papel de diácono, um laico que pode celebrar funerais e casamentos, mas não missas.

Essas propostas encontraram forte resistência, e foram as que receberam mais votos negativos, cerca de 20% dos votos.

– “Longo prazo” –

A aceitação de casais homossexuais, outro tema esperado, ficou em segundo plano. O termo “LGBT” nem aparece no documento final, que evoca apenas a “identidade de gênero” e a “orientação sexual”. Tampouco se menciona a proposta de abençoar os casais homossexuais, uma omissão que decepcionou as associações católicas LGBT e os fiéis mais progressistas.

Alguns destacaram as lacunas culturais e geográficas ligadas à diversidade dos participantes: patriarcas das Igrejas Orientais, mães, jovens…

“De certo modo, tratava-se de evitar divisões e preparar o terreno para o ano que vem. Alguns temas precisam de tempo para amadurecer. É uma visão de longo prazo”, comentou um participante.

Em seus quase 87 anos, o papa terá a última palavra sobre as conclusões desse encontro. Na missa de encerramento do domingo, reiterou seu “sonho” de uma Igreja “com as portas abertas”.

cmk/fal/hgs/zm/tt/aa