“O adiamento das Olimpíadas foi desastroso para a minha preparação. Fiquei muito deprimido. A pressão foi tão grande que na volta aos treinos me machuquei e, por isso, vou ficar fora dos jogos. Espero que o caratê volte às competições na França em 2024”. Hernani Veríssimo, carateca (Crédito:Divulgação)

O auge da carreira de um atleta amador é participar de uma Olimpíada. Mas a pandemia adiou as competições que aconteceriam em 2020 e frustrou o sonho de esportistas em todo o planeta. A angústia é vivida no último ano de espera com histórias que apresentam enredos diversos, mas que, invariavelmente, envolvem dificuldades psicológicas, perda de motivação e uma ansiedade persistente. Diante disso, muitos atletas têm buscado acompanhamento de psicólogos e psiquiatras, e também usado remédios para superar a situação de estresse e tornar menos penosa a espera pelos Jogos. O ideal seria parar de pensar no tempo e concentrar a atenção nos treinos, mas isso é impossível. Com tantos imprevistos e uma longa interrupção de atividades, os competidores tentam se livrar de temores e inseguranças e chegar à Olimpíada com alto desempenho.

Apesar de serem humanos com rendimento físico e mental extraordinário, os esportistas não estão imunes às frustrações. Segundo o psiquiatra e diretor médico da eCare, Eduardo Tancredi, a suspensão dos jogos pode trazer uma queda de performance para todos atletas. “Foi um banho de água fria”, diz. Tancredi explica que os atletas são movidos pela ansiedade, por vezes até de maneira obsessiva, e que esse comportamento é bom para campeões olímpicos. No entanto, “o esportista vive de uma adrenalina similar aos nossos ancestrais numa luta contra um predador, mas se ele prepara o organismo e de repente o combate não acontece, há um relaxamento natural”. Esse relaxamento foi inevitável com o adiamento dos Jogos. Ele desmotiva o atleta que perde sua referência de vida e pode ficar deprimido, além de mais exposto a lesões.

Em sua segunda Olimpíada, a nadadora Etiene Medeiros, ainda não conseguiu superar a ansiedade. “Pelo contrário, a ansiedade aumentou. Por isso, gerenciamos o tema junto com a minha psicóloga e meu técnico para equilibrar esse sintoma negativo”, afirma. Ela disputa as provas de 4x100m livre e 50m livre. Ambas são vencidas por segundos de diferença. A nadadora está empolgada com o fato de ter alcançado os índices para disputar os jogos, especialmente por representar as mulheres, mas lembra que o pior momento foi o adiamento dos jogos quando ela não sabia como continuariam os treinos e as competições. “Vivi muitos momentos de angústia”, afirma. Bem auxiliada, ela tem uma visão positiva do momento e diz que o mundo está focado na saúde depois “do planeta pedir socorro para desacelerarmos”.

Talvez essa seja a única oportunidade de participação de atletas que praticam o caratê. A modalidade estreia em Tóquio e não tem confirmação para estar nos jogos da França em 2024. Isso gerou uma expectativa ainda maior no lutador Hernani Veríssimo. A pressão foi tamanha que ele se machucou gravemente e não vai participar das seletivas para a competição. Hoje, Veríssimo atua como sparring da seleção de caratê. “Com o adiamento das seletivas fiquei muito deprimido, foi um momento difícil”, diz. Mas com acompanhamento psicológico o atleta conseguiu dar a volta por cima. “Meu ânimo voltou depois que percebi que o meu corpo respondia aos treinos”, afirma.

A incerteza também paira na carreira esportiva de Moacir Zimmermann. Ele participou da Olimpíada de 2016, mas não está confirmado para Tóquio. Zimmermann disputa a marcha atlética de 20 quilômetros. Ele diz que estava bem próximo de alcançar o índice olímpico quando o mundial da categoria foi cancelado por conta da pandemia. Com suas expectativas não alcançadas o atleta ficou muito deprimido e sem rumo. “Eu tive que tomar antidepressivo. Acredito que os remédios atrapalharam meu desempenho, mas eu precisava. Eu não estava conseguindo mais me controlar”, conta. Para piorar a situação, ele foi impedido de participar de corridas classificatórias. “Os brasileiros foram impedidos de participar de uma competição na Espanha”, diz. Com tanto sofrimento, Zimmermann amargou três lesões. Ele atribui o contratempo à ansiedade para retomar os treinos, mas acha que superou a depressão. “Voltei a competir em alto nível e sonho em ganhar uma medalha”, afirma.

SUPERAÇÃO Zimmermann (1) usou antidepressivos; Mariana Nicolau (2) teve acompanhamento psicológico e Verthein sofreu com o isolamento(3)

Preparo emocional

Nos esportes individuais, de alguma maneira, foi possível realizar o treinamento com mais facilidade. Mas em modalidades de requerem a participação de grupos maiores a incerteza foi grande. A jogadora de rugby, Mariana Nicolau, diz que as dúvidas de quando e como seria a volta das competições foi o que mais impactou no primeiro momento. Mariana afirma que conseguiu passar bem pelo período e que a seleção de rugby tem profissionais que acompanham as meninas com uma preparação emocional, além da técnica. “A ansiedade não foi só pelas Olimpíadas. Nunca vivemos algo parecido com essa pandemia”, diz. Com a proximidade dos jogos, ela conta que a ansiedade e animação são positivas e a equipe espera superar o nono lugar obtido em 2016.

São necessários quatro anos de preparação e alto êxito para se chegar numa Olimpíada. Na Grécia antiga, os atletas eram os legítimos representantes dos deuses. A expectativa de longo prazo para um esporte pode gerar grandes traumas. Dependendo da idade do atleta, pode ser a sua última chance. O diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, Henrique Bottura, identifica nos atletas uma capacidade de lidar com frustrações acima do normal. “No entanto, a Olimpíada é o ponto máximo da carreira de muitas modalidades”, afirma. A pressão é alta e está em jogo toda a vida de um competidor. Mudar os planos de quatro anos de treinos não é simples. Mas o psiquiatra pontua que uma capacidade específica de atletas de grande rendimento é a adaptação a situações difíceis e desafios.

Acostumado em estar ao ar livre, o atleta de remo na categoria skiff, Lucas Verthein, se entristeceu muito no início da pandemia. “O pior momento foi depois de passar mais de três meses dentro de casa. Não sabia se as coisas voltariam a ser como eram antes”, diz. Verthein não vive exclusivamente do esporte. Aproveitou as atividades paralelas para não se restringir as angústias da espera. Ele conta que há dois meses iniciou um acompanhamento psicológico para chegar bem na Olimpíada. A Covid foi cruel com todas as pessoas e nem mesmo as pessoas com maior excelência física foram poupados. Aqueles que conseguiram sair ilesos da infecção tiveram que lutar contra os estragos emocionais. E agora resta saber como eles se comportarão nos Jogos Olímpicos menos empolgantes da história.