Começo de ano, tenho notado que uma doença sempre volta a nos ameaçar.

Não. Não é a COVID. Nem a infuenza. É outra.

Uma doença relativamente antiga, mas que ultimamente vem se transformando numa verdadeira praga: a busca por qualidade de vida.

O primeiro sintoma da contaminação é se matricular numa academia e começar um regime, que os infectados não chamam de regime.

Chamam de “mudança de hábitos alimentares”.

Como se fosse possível viver melhor comendo quinoa.

Outro sintoma, já num estado mais avançado, é mudar para um bairro mais “afastado”, a uns bons 30 km dos grandes centros.

Você percebe que o sujeito é vítima deste mal, quando se vê obrigado a escutar as qualidades dos inúmeros condomínios que cercam a cidade.

Como se não bastasse a Covid e a Influenza, uma outra doença está de volta: a busca pelo corpo perfeito

– Não, é sério! Você não vai acreditar! Tem uns que dá até pra ter vaca no quintal!

Estado grave, coitado.

Então o sujeito decide trocar o apartamento, ao lado do supermercado, da farmácia e da padaria, por uma casa afundando no barro, na Granja Itapuçu, ou qualquer nome desses com origem indígena.

Lugar que não chega Rappi, nem Uber, entende?

A doença, agora, vai se desenvolver em fases muito claras, documentadas na literatura médica.

A primeira é quando o sujeito está radiante e seguro da decisão tomada.

Você só não pode fazer uma única pergunta:

– Mas, Jurandir, a Granja Itupiaba não é muito longe, não?

A resposta vem desafiadora:

– Longe? Que longe, rapaz! Imagina! Eu garanto que levo o mesmo tempo para chegar na minha casa que você na sua, quer apostar? Hein? Hein?

Você sabe que é mentira. Afinal, sua casa está a pouco mais de 5 km do trabalho. Num dia de trânsito caótico, você não leva mais de 40 minutos para chegar ao conforto do lar.

Ele também sabe que é mentira, então completa:

– Saindo da cidade, em meia hora estou lá.

Ou seja, a doença faz com que o pobre coitado simplesmente ignore aquela hora e meia que leva tentando chegar ao limite de uma megalópole.

Duas horas ou mais, se for sexta-feira.

Passa o tempo e todos começam a notar que o sujeito é o primeiro a chegar e o último a sair do escritório.

Se você perguntar se ele está chegando cedo por causa do trânsito, a resposta também vem pronta.

– Trânsito? Que nada. Basta evitar os horários de pico, saio de casa às quatro da manhã e venho tranquilo. Fora que é lindo ver o dia nascer na estrada.

Esta fase dura até que a vida social da família começa a se deteriorar e é evidenciada quando o sujeito diz algo como:

– Aquilo é o paraíso. As criança adoram. Adotaram uma paca. Linda ela…

Em seguida revela o primeiro sinal de que existe cura no horizonte:

– Mas agora alugamos um flatzinho aqui no centro, só para os dias que a gente quer jantar com os amigos…enfim…mais prático.

Chega, então, a última fase da doença, já quase curado.

Você identifica quando arrisca perguntar como está a vida na chácara.

– Ah, maravilha. A paca está enorme! Com um monte de filhotinhos. Outro dia peguei um comendo nosso pudim. Uma graça!
Você sorri, simpático, e ele continua, como quem não quer nada.

– Só que agora estamos usando a casa só nos finais de semana. Estamos morando naquele flatzinho. Apertado para nós quatro, mas sabe como é, as crianças sentiam falta dos amigos e, cá para nós, a Marisa é urbana, sabe?

Finalmente, vocês dois estão no café quando ele solta no ar:

– Ô… te falar uma coisa… se souber de alguém procurando uma casa incrível, me dá um toque, ok? Dá para ter vaca no quintal!
Você fica feliz. Está curado.