Pressionado pelo aumento do desemprego e da inflação da comida e também pela queda na renda, o consumo de alimentos, bebidas, produtos de higiene e limpeza dentro da casa dos brasileiros sofreu um baque neste início de ano. Em janeiro e fevereiro, houve uma queda de 5,2% no número de unidades de itens básicos comprados pelas famílias em relação ao mesmo período de 2018, aponta pesquisa da consultoria Kantar. Foi a primeira retração para o período em cinco anos.
Também foi a primeira vez desde o início da pesquisa, em 2014, que houve recuo nas compras de todas as cestas de produtos, com retrações importantes em produtos básicos e de difícil substituição. Entre os itens que mais contribuíram para a queda do consumo em unidades das respectivas cestas estão açúcar (alimentos), papel higiênico (higiene), leite de caixinha (lácteos), detergente em pó (limpeza) e cerveja (bebidas).
“Fiquei chocada com o resultado. É uma queda bem forte que ocorreu em todas as classes sociais e regiões do País”, afirma Giovanna Fisher, diretora da consultoria e responsável pela pesquisa.
Semanalmente, equipes da consultoria visitam 11,3 mil domicílios para tirar a temperatura do consumo a partir do tíquete de compra da família. A amostra retrata as compras de 55 milhões de domicílios ou 90% potencial de consumo do País.
Classe C
A classe C foi a que mais retraiu o consumo no bimestre e o interior do Estado de São Paulo, por concentrar uma grande fatia dessa população, foi a região que registrou a maior queda, seguida pelas regiões Norte e Nordeste.
O que chama também a atenção nos resultados é que, além de ir menos vezes às compras, a cada ida ao supermercado o consumidor levou uma quantidade menor de produtos para casa. Esse movimento traduzido em números significou uma queda de 2,2% na frequência de compras no bimestre em relação ao ano anterior e redução 5,7% no número de unidades adquiridas a cada compra.
Giovanna explica que até pouco tempo atrás a frequência permanecia estável ou apresentava um pequeno recuo. Mas quando o brasileiro fazia as compras ele levava para casa uma quantidade de produtos maior. “Antes, as pessoas compensavam com volumes médios maiores a ligeira redução na frequência de compras. Com isso, o volume total consumido se mantinha estável e agora, não.”
Dados nacionais de vendas dos supermercados confirmam esse movimento. A receita real de vendas acumulada no ano, que crescia 2,95% em janeiro ante o mesmo mês de 2018, desacelerou para 2,51% no primeiro bimestre, segundo a Associação Brasileira de Supermercados. Na divulgação dos resultados no início do mês, João Sanzovo Neto, presidente da entidade, atribuiu parte do enfraquecimento no ritmo de vendas à lenta recuperação da economia e ao desemprego elevado.
Inflação
A virada que houve na inflação de alimentos e bebidas explica, na opinião do economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Fabio Bentes, boa parte da freada nas compras. “A inflação vista por dentro mudou muito”, diz.
Alimentos e bebidas respondem por quase 25% dos gastos das famílias e são a maior fatia do orçamento. Ao longo de 2017 e parte de 2018, os preços dos alimentos e bebidas ajudaram a segurar a inflação geral. Enquanto a inflação, fechou 2017 em 2,95%, alimentos e bebidas tiveram deflação de 1,87%.
Em 2018, a inflação em 12 meses de alimentos e bebidas correu abaixo da inflação geral até outubro. A partir de novembro, a inflação de alimentos e bebidas acumulada em 12 meses superou a inflação geral, mês a mês, até atingir o pico em março. No mês passado, a inflação geral em 12 meses chegou a 4,58% e a inflação de alimentos e bebidas atingiu 6,73%, a maior variação em 12 meses desde dezembro de 2016 (8,61%).
Brasileira deixa de fazer estoque em casa
A aposentada Suzana França, de 60 anos, chegou a estocar, no passado, cem garrafas de vinho em casa. Hoje ela tem apenas cinco. Suzana também cortou o estoque de cerveja e de outros itens, como os de higiene pessoal. Sabonete, antes, comprava quatro ou cinco. “Agora levo para casa dois: um para cada banheiro.”
O funcionário público aposentado, Francisco Carlos Barbosa, de 51 anos, também colocou o pé no freio nas compras. Ele conta que chegou a comprar pacote com cem rolos de papel higiênico. Mas como o preço subiu, hoje compra o que vai usar mesmo. “Quando acaba vou lá e compro de novo. Mas não faço mais estoque.”
Suzana conta que tinha em casa vários tipos de grãos: feijão branco, feijão preto, feijão carioca, lentilha e grão de bico. Hoje leva para casa dois ou três e quando acaba volta às compras. “Não sou economista, mas a minha forma de agir mudou porque os preços estão muito altos em relação à minha renda e tenho de resolver o problema dentro da minha administração doméstica. É uma tática defensiva”, explica.
Virada
A estratégia de deixar de fazer estoque doméstico de produtos, adotada intuitivamente pelo consumidor, foi provocada pela alta de preços de vários itens nos últimos meses.
O preço do papel higiênico, por exemplo, subiu em 12 meses até março deste ano 4,2%, segundo dados da inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Já em 12 meses até março do ano passado, o preço do produto estava estável.
O sobe e desce do preço do papel higiênico se repetiu em outro produto básico: o leite de caixinha. Em 12 meses até março deste ano, o preço do leite acumula alta de 10,8%, depois de registrar queda 9,1% em 12 meses até março do ano passado. “Foi uma mudança de preços da água para o vinho”, observa o economista-chefe da Confederação nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes.
Barbosa observou que o leite subiu bastante. “Eu pagava R$ 1,99 e agora está mais de R$ 3.” Pai de dois filhos, ele conta que o produto é de alto consumo na sua casa. Por isso, procura o encontrar marcas em ofertas usando aplicativos de compras.
Quanto às idas ao supermercado, o funcionário público aposentado revela que desembolsa entre R$ 100 e R$ 120 a cada viagem e traz para casa uma quantidade menor de produtos. “Antes gastava menos”, reclama.
Do início do ano para cá, Barbosa sentiu um aperto no orçamento por causa do avanço da inflação dos alimentos. “Tem inflação sim e piorou neste começo de ano.” O feijão, por exemplo, está “caríssimo”, diz ele. No primeiro trimestre, o preço do feijão mais que dobrou, subiu 105%, segundo o IPCA.
Enquanto o preço da comida disparou, a renda de Barbosa e da maioria dos brasileiros não acompanhou essa alta, especialmente num momento em que o desemprego se mantém em níveis elevados e a ocupação cresce impulsionada pela informalidade que remunera os trabalhadores com rendimentos entre 30% e 40% menores comparados aos obtidos pelos empregados com carteira assinada.
No caso de Barbosa, ele diz que recebeu um reajuste de 4% depois de quatro anos. “Os salários estão praticamente congelados e no meu caso não acompanhou a evolução de preços do mercado.”
Racionalidade
Suzana lembra que no passado, quando via produtos em oferta, saia comprando, sem muita racionalidade. “Eu não usava e acabava desperdiçando.” Mas agora ela diz que segue o comportamento de compras dos estrangeiros. A aposentada tem um filho que mora no Canadá e observou que lá as pessoas compram ingredientes para uma refeição ou duas refeições, no máximo. “Aprendi muito com ele.”
Vivendo de aposentadoria e de renda de aluguel, Suzana sentiu muito a alta dos preços dos alimentos e estabeleceu metas para economizar. No passado, usava o carro para fazer as compras de supermercado e chegava a gastar R$ 2 mil por mês para abastecer a casa.
Atualmente, vai a pé ao supermercado próximo de casa e só carrega o que cabe na sacola. “Agora a minha meta é gastar R$ 800 por mês e dá muito bem. Nada de exagero.” A aposentada cortou o queijo importado das compras e passou a levar para a casa duas bananas, como os estrangeiros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.