EXPLIQUE-SE, MENDONÇA

O Ministro da Justiça André Mendonça precisa enviar até esta quinta-feira, 6, explicações ao STF sobre um dossiê confeccionado por um órgão de sua pasta, a Secretaria de Operações Integradas (Seopi), com os nomes de dois professores universitários e 579 servidores públicos ligados à área de segurança e atuantes em um movimento anti-bolsonarista. Na sexta-feira, ele deve participar de uma audiência fechada com senadores para prestar esclarecimentos sobre o mesmo assunto. É preciso espremê-lo. O que veio à tona até agora não indica coisa boa.

A história foi levantada pelo jornalista Rubens Valente há cerca de dez dias. No domingo, Mendonça deu uma entrevista ensaboada ao canal pago Globo News sobre o assunto. Ele disse que não podia negar nem confirmar a existência do dossiê, por se tratar de tema de segurança. Mas assegurou que só tinha ficado sabendo do assunto pela imprensa e que abriria uma sindicância para averiguar o caso.

Ontem, o ministro demitiu o chefe do Seopi. Fez isso antes de a tal sindicância começar, o que não é comum. O exonerado é o coronel Gilson Libório. Ele e Mendonça começaram a trabalhar juntos quando o atual titular da Justiça comandava a Advocacia Geral da União. O fato de Libório ter acompanhado o antigo chefe na nova missão, deixando um cargo de assessor especial para dirigir a Seop, mostra que os dois estavam bem sintonizados. Aliás, ambos têm um mesmo padrinho no governo: Wagner Rosário, chefe da Controladoria Geral da União e um dos homens mais próximos do presidente Jair Bolsonaro.

Nesse quadro, dá para acreditar que Mendonça não sabia da atividade pouco ortodoxa que um dos seus auxiliares mais próximos vinha desenvolvendo?

Bem, nada é impossível. A “traição” poderia explicar a demissão apressada de Libório. Em todo caso, não faz bem à imagem do ministro. Sempre é mau sinal quando atividades clandestinas ou semi-clandestinas acontecem dentro de um ministério, debaixo das barbas do ministro.

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Na outra hipótese, Mendonça sabia de tudo. Nesse caso, ele mentiu na entrevista à TV e a demissão de Libório é cortina de fumaça, uma tentativa de tirar o coronel dos holofotes. Se for isso, é grave demais.

 

AS INCERTEZAS DE GUEDES

O Congresso realizou na manhã desta quarta-feira uma audiência virtual com o Ministro da Economia Paulo Guedes, para tratar da reforma tributária. Guedes, como sempre, bancou o papai-sabe-tudo, mas não ajudou ninguém a compreender melhor seus planos para os impostos.

Guedes gastou um bom tempo pontificando sobre as mazelas do “hospício tributário” brasileiro. A esta altura do campeonato, ele já deveria ter aprendido a se abster desse tipo de discurso grandiloquente. Crítica serve para campanha eleitoral. Função de ministro é fazer, e Guedes já está mais do que atrasado na tarefa de apresentar uma proposta coerente e abrangente de reforma tributária.

O ministro até fez um breve mea culpa sobre a demora. Mas não mostrou nenhum propósito de mudar a estratégia que escolheu para encaminhar o assunto – a estratégia do rocambole, que é servido em fatias. A primeira fatia foi servida há duas semanas e tratou da unificação de PIS e Cofins. Guedes disse que a segunda também vai tratar do agrupamento de tributos e a terceira, do Imposto de Renda.

Ele não marcou data para pôr sobre a mesa essas outras duas partes do banquete e mostrou irritação quando os parlamentares observaram que dessa forma é impossível ter uma ideia do impacto final da reforma “Se vocês quiserem a gente manda um monte de coisa amanhã, empilha tudo aqui”, disse Guedes com seu ar de professor contrariado.

Guedes também foi mais do que vago ao falar do imposto sobre transações digitais que ele quer implementar e se recusa a chamar de CPMF. Novamente, se mostrou ofendido por ter gente que não compra o seu discurso – “por maldade ou ignorância”, segundo disse. Mas Guedes não explicou de uma vez por todas qual será a base de incidência do tributo. Sem isso, a discussão não sai do lugar.

O ministro está absolutamente errado na maneira como conduz esse processo. Se as coisas forem feitas do jeito que ele quer, será impossível saber com certeza qual será a carga final de tributos, como ela vai ser distribuída pelos diversos setores da economia, quem vai arcar com o quê. Os custos serão altos demais se as premissas estiverem erradas e isso só for descoberto no final. O país não merece mudar de um hospício tributário para outro.

Não é que Paulo Guedes sabe tudo. Neste caso, ele parece não saber nada com certeza. É preciso espremê-lo, para que entregue algo com começo, meio e fim, em vez de apenas produzir fumaça.

Ou então, que Guedes saia do caminho, para que o trabalho seja feito pelo Congresso.



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